sábado, 21 de agosto de 2010

Uma noite, uma manhã


Antónia acordava lentamente, na penumbra do quarto de hotel que, para ela se tornara, já, uma segunda casa. Era o número 25 desde os primórdios do encontro que viria mudar a sua vida.
Abriu ligeiramente os olhos e procurou o corpo que deveria estar a seu lado. Aquele corpo tão familiar, tão próximo e afinal tão pouco dela. Apenas a almofada amachucada denunciava que outra cabeça pudesse ter estado ali deitada. E, talvez, o remoínho dos lençóis...
Ao lado estava, sim, um bilhete. Como muitas vezes acontecia, quando José tinha de sair mais cedo e precisava de lhe deixar dito que a amava. No fundo, nestes oito anos de relação, era tudo que ela tinha. Umas noites, algumas manhãs, uns bilhetes e, nos melhores tempos, uma viagem por ano.
Era nisto que ela pensava mais ultimamente. Talvez porque José já nem sequer lhe mentia a prometer o que nunca tivera intenção de cumprir: casar com ela! Já nem sequer sentia necessidade disso, consciente que estava, de que ela já não esperava isso.
Parecia assim que aquilo que os ligava era cada vez mais fraco. Uma noite de sexo já não prende ninguém, quanto mais oito anos de de algumas noites de sexo sempre com o mesmo homem. Que não sendo seu, lhe exigia contrapartidas que o próprio lhe não dava.
Mas então porque é que eu mantenho isto, perguntava-se Antónia? Porquê? E, como sempre, a mesma estúpida resposta:por medo. Medo de não ter ninguém, medo de não ser amada, medo de encarar de frente a solidão. Como se não fosse esta a sua única realidade.
Esticada na cama, debatia-se entre a mágoa e a raiva. E mais uma vez prometia a si própria que aquela seria a última noite, a última manhã.
De repente lembrou-se do bilhete de amor que ele lhe deixara, como sempre, dobrado na almofada. Tinha apenas uma palavra, "adeus"!

Helena

1 comentário:

  1. Gosto muito deste seu registo. Do tom, muito em particular... E como é preciso ter tom e dom para amar! Vai já para os meus preferidos.

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