segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A francesa

Rosa era uma bela moçoila, minhota, de sorriso sempre na boca. As faces rosadas e o olho azul denotavam bem a influência das tropas de Junot pelas bandas onde nascera. Aproveitando-se dessas características, costumava dizer que era francesa. E os de fora acreditavam quando ela embrulhava o português para se dar mais ares de ser estrangeira. Aliás, os primos que trabalhavam na cidade luz, com os quais convivia nas "vacâncias", haviam enriquecido muito o seu vocabulário, o que lhe permitia dar um toque mais realista à versão das suas origens.
Não era rica nem pobre. Apenas entendia que a vida devia ser vivida da melhor maneira. E, para ela, a melhor maneira era ter dinheiro. Por isso, decidira que havia de "catrapiscar" um marido rico, daqueles que existiam nas grandes capitais. As amigas riam-se imenso desta sua história. Mas Rosa trabalhava para que ela se tornasse real.
Não era muito letrada nem muito interessada nas coisas do espírito. Mas considerava que o seu património físico justificava que o sonho se realizasse. E realizou. Corporizado no Tiago que era rico e de boas famílias. Pouco inteligente, guiva-se mais pelas curvas das mulheres do que pelas rectas da vida. Por isso escolheu Rosa. E levou-a para França.
Casaram. Tiveram filhos. Como quase toda a gente. Um dia, como acontece a muitos, o Tiago trocou-a. Por outra bem portuguesa. Morena de olhos negros e cabelo como o tição. E a Rosa foi à vida. Ou seja, voltou à terra donde saíra, para perceber que afinal não valia a pena ser francesa!
Helena

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A dívida

Era um petiz desengonçado, com dificuldade em coordenar os movimentos. Nem bonito nem o oposto. Antes, uma cara que passava despercebida. Virou, sem surpresas, o patinho feio da família e também o dos colegas, que mostravam pouca paciência para as suas inabilidades. Foi, assim, crescendo um pouco à margem da gente da sua idade. Francisco sofria, mas não mostrava!
Ao entrar na juventude tuberculizou. O que o afastou ainda mais do meio familiar, visto que teve de ser internado num sanatório. Onde, por uma macabra sorte, a sua vida mudou por completo.
Foi lá que encontrou Teresa, atacada do mesmo mal. Foi a sua primeira amiga e seria, depois, o seu primeiro grande amor. Tudo na vida de Francisco mudou. Interessou-se pelos estudos, lutou com todas as suas forças contra o mal que o invadia, deixou de se sentir solitário e sentiu-se, de facto, entre os seus. Percebia, finalmente, o que era ter uma família.
Decorrida meia década, foi dado como curado. Podia, finalmente, encarar a sua entrada na Universidade.
Ao invés, Teresa piorava. Tanto que ele retardou, quanto lhe foi possível, a sua saída da casa de saúde. Seria na última noite que passou no sanatório que se deu o desenlace. Teresa morreria nos seus braços.
Cheio de força, contrariando o que ele próprio sempre pensara que aconteceria, não chorou. E, com as mãos geladas da mulher amada entre as suas, prometeu-se viver pelos dois.
Cumpriu. Vinte anos decorridos sobre esta data, doutorava-se em medicina, com uma tese inovadora sobre a tuberculose. No princípio dessa tese podia ler-se, "Uma pequena homenagem à Teresa, a melhor Mulher que eu conheci"!

Helena