quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O galã

O rapaz era galã e bem falante. Tinha boa figura e conteúdo que dava para dois dias de conversa mais apurada. Sonhava fazer cinema. Mas também queria ser manequim.
Vivia em Campo de Ourique onde todos o conheciam. De vez em quando conseguia uns biscates fotográficos que iam dando para os anéis e as pulseiras de cabedal. Dizia-se comendador, desde que tinha namorado a filha de um, a Alzira. Mas o futuro sogro achou que o Rui - era assim que ele se chamava - não tinha cabedal suficiente para casr com a sua menina. Por isso, enxotou o jovem, conseguindo atraí-lo para as expressivas belezas naturais de uma das suas empregadas, a Manuela. A qual, cheia de visão, achou que bem vestido e com as arestas limadas, o rapaz até podia ter futuro.
Deste modo a Alzira ficou de mãos a abanar e a Manuela resolveu investir no potencial do jovem. Investimento caro, diga-se de passagem. Teve, mesmo, que contrair um empréstimo bancário e ainda hoje ninguém sabe que garantias a pequena terá oferecido.
O que é certo é que o Rui depois do personal adviser que a Manuela lhe arranjou, não parecia o mesmo. No bairro todos estavam siderados com a transformação.
"Parece um verdadeiro manequim", diziam. A voz estava aveludada, o timbre era correcto e bem posicionado, a fatiota apropriada à diversidade de situações. Enfim, o galã criara estilo.
E depois de a televisão o ter apanhado numa reportagem feita sobre o bairro, Rui Silveira passou a Rui d'Albuquerque Silveira.
O trabalho começou a surgir e, a certa altura, o nosso homem de Campo de Ourique passou à Estrela. Desta, ao bairro da Lapa, foi um pulo. Dado com muita inteligência...
Na Lapa, como convinha, até ganhou família. Pelo menos, um bom número de tias. Tias estas, que, como ele dizia, até tinham sobrinhas.
Quem já não conseguia acompanhar-lhe a pedalada foi a Manuela, que para além de pagar a pesada prestação do empréstimo bancário que havia contraído, deixara de merecer os favores do seu pupilo. O qual, agora, até parecia envergonhado quando a via.
Foi assim que a sua vida mudou. Uma das tias, solteira, a quem o Rui, de modo desinteressado, fazia muita companhia, resolveu levá-lo para o seu apartamento, de sete divisões, ali para os lados da Borges Carneiro. Agora sim, era o sobrinho que, ao dinheiro que ela tinha, dava estatuto mediático, tal o sucesso que soubera grangear.
E, quando a senhora morreu, foi ele o contemplado com a casa e os depósitos, que não eram poucos. Finalmente o galã merecera as dádivas da vida. Mandava dizer missas por alma da falecida e mantinha o jazigo impecável.
Manuela, claro, desaparecera. Curiosamente, o comendador, o seu ex futuro sogro, estava atento. Um dia, resolveu convidá-lo para jantar na sua casa. Alzira ficou logo alvoroçada com a perspectiva.
E quando veio o café e a moçoila estava ausente, o pai dela perguntou-lhe, de chofre, se continuava a gostar da filha. Ao que Rui respondeu, cheio de impância e também de alguma sabedoria: "Gostar, gosto. Mas sabe, caro Comendador, agora a vida é outra e eu sou um galã. Que é rico. Não leve a mal, mas a Alzira já não me serve... De momento, o que preciso é dum título, ou de um nome da nobreza, que é o que ainda me falta. Mas tenho tudo para o conseguir!"

Helena

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