terça-feira, 1 de março de 2011

A Previsão

Ivone era uma pessoa pouco dada à astrologia ou ao que é comum chamar-se de ciências alternativas. Era, digamos, muito céptica em relação a tudo o que fossem previsões com base em datas de nascimento, cartas de tarot ou leituras de búzios.
Mas tinha uma grande amiga brasileira, a Ariclê, que vivia desse tipo de actividade, depois de ter abandonado uma carreira de sucesso na área da gestão. O que ela fazia exactamente, Ivone não sabia, porque nunca quisera participar de nenhuma das suas sessões. Ariclê sempre insistira, mas sem êxito. O que ela lhe dissera é que era capaz de entrar no “arquivo morto” da nossa memória e retirar de lá lembranças que nos seriam de grande utilidade em dificuldades presentes ou futuras.
Ivone reconhecia que algum dom especial devia ter a amiga, que era visitada por gente vinda dos quatro cantos do país. E gente de nível intelectual acima de qualquer dúvida. Muitas vezes conversavam sobre as verdadeiras razões que levavam tantas pessoas a procurarem os seus serviços, mas ficavam por aí.
Uma noite Ariclê telefonou a Ivone para a convidar a jantar com um grande seu amigo e colega, o Professor Veríssimo, pessoa muito respeitada no Brasil e que vinha a Portugal fazer uma série de conferências.
- Tem que vir, minha amiga, porque você vai ficar surpreendida com a qualidade deste homem. Mesmo sendo céptica, como você é.
- Ariclê, você sabe o que eu penso dessas coisas. Depois não se admire se eu disser algo que lhe não agrade.
- Esteja descansada. Eu já disse ao Veríssimo o que você pensa. Nós vamos falar de outros assuntos. Ele acabou com um casamento longo e precisa de se distrair.
- Bom, então fica combinado. Passam a buscar-me?
- Sim senhora. Vai ver que vai gostar.
O jantar foi, de facto muito agradável. Falou-se de viagens, livros e cinema. O Professor era um excelente conversador. Já mesmo perto da casa de Ivone, enquanto a levava à porta de entrada do prédio, disse-lhe, à queima-roupa:
- Ivone, você vai voltar a casar-se dentro de dois anos.
- Terei que me divorciar primeiro, meu caro amigo. Porque tenho um marido e espero mantê-lo por muito mais tempo do que isso…
- Só lhe digo isto. Um dia falaremos!
Já em casa, Ivone contou ao marido o que se passara. Ele apenas sorriu.

Ariclê retornou à sua terra e nunca mais falaram no assunto. Um dia recebeu um telefonema de Ivone a dizer-lhe que ficara viúva. O marido falecera num acidente de automóvel. E ela resolvera passar uns dias no Brasil.
- Venha sim, amiga. E sem data certa para voltar. Para poder descansar.
Quando chegou, Ariclê havia preparado um jantar para a apresentar aos amigos. Que, aliás, a receberam de braços abertos. Em particular Veríssimo que, a brincar, lhe relembrou a previsão que fizera. "Ainda faltam seis meses para terminarem os dois anos", disse ele a sorrir.
Mas a previsão cumpriu-se. Casaram um com o outro... quando terminou o semestre que faltava à profecia!

Helena

O Casting

O seu sonho era aparecer na televisão. E os pais apoiavam a pretensão da garota, que desde os dez anitos andava em toda a espécie de concursos. Nunca a precaveram, alguma vez, para os riscos que aquele devaneio representava.
Mas uma manhã, quando menos a família e a própria esperavam, a Gilda foi convocada para um ensaio. Tinha quinze anos, era espigada, bonita e airosa. Mas muito pouco instruída, porque entre os “castings”, as aulas e os exames, a prioridade pertencia sempre aos primeiros.
Nesse dia tratava-se de uma série de ensaios fotográficos para saber se a pequena tinha ou não a fotogenia necessária para modelo fotográfico. Pediam-lhe que fosse a uma certa morada, dentro de uma semana. Mas avisavam que fosse sozinha.
Nem Gilda nem D. Adelaide cuidaram de confirmar o que quer que fosse, acreditando piamente nas palavras do senhor Gonzalez, o produtor – dizia-se ele -, que as contactara e tanto parecia saber não só de televisão como dos interesses de Gilda pelo meio artístico.
Chegado o dia, a combinação feita era a de que a jovem falaria à mãe, mal a sessão acabasse, para que esta a fosse buscar e pudesse, até, ter dois dedos de conversa com o fotógrafo.
Gilda lá foi à procura do estúdio que ficava numa pequena ruela de Campo de Ourique, num prédio velho, esconso e com um acentuado cheiro a urina. Tocou à porta, apresentou-se e esperou que o espanhol aparecesse. Julgava-o assim, por causa da salganhada de língua em que se exprimira ao telefone.
Entretanto o ambiente era algo estranho. Havia sofás variados, alguma lingerie, e muitas luzes vermelhas. Gilda começou a ficar inquieta.
Nessa altura, vindo detrás de umas cortinas, apareceu o dito Gonzalez que lhe disse para ela se despir e vestir as peças de roupa interior que ela acabara de ver.
- Despir?!
- Sim menina despir, pois. Como é que queres que eu veja se serves para o papel?
- Qual papel?
- De modelo. Ou tens algum problema em mostrar o corpo? Não vais para a praia de biquíni?
- Mas isso é na praia, senhor Gonzalez.
- E qual é a diferença?!
Vá despacha-te que eu tenho mais que fazer. Vais aos castings para concursos de beleza e agora estás com falsas vergonhas? Era só o que me faltava, que te armasses em virgem…
- Senhor Gonzalez, eu não sou capaz.
- Ai não? Então pira-te daqui imediatamente, desaparece. E aprende uma coisa: quem vai a castings, tem que se despir.
Gilda soluçava quando telefonou à mãe e lhe contou o sucedido. Do outro lado do fio, a D. Adelaide dizia-lhe que se acalmasse, porque também não era preciso fazer tanto alvoroço quando, afinal, o homem nem sequer lhe tinha pedido que ficasse nua.
Que diacho, Gilda, na praia, de facto, tu andas de biquíni. E bem pequeno, por sinal!

Helena

O Silêncio é de ouro...

Sofia e Marta eram amigas desde a escola primária. Dificilmente se podiam imaginar duas pessoas tão diferentes e que tivessem gostos tão semelhantes em matéria cultural. Apreciavam os mesmos compositores, pintores, autores e cineastas e, nem sempre, pelos mesmos motivos. Mas era justamente isso que dava à relação delas uma enorme vivacidade.
Ambas eram bem casadas e, para facilitar o seu relacionamento também os respectivos maridos eram igualmente amigos. Constituíam, simultaneamente, motivo de inveja e de admiração por parte dos restantes companheiros.
Certa tarde, Sofia que se sentara numa esplanada a apanhar um pouco se sol, junto ao rio viu, Alexandre, o marido da amiga, a passear de mãos dadas com uma mulher, ao longo do passeio que bordeava as cadeiras. O gesto imediato foi levantar-se e ir ter com os amigos para se meter com eles. Mas, mal deu uns passos, percebeu que a mulher não era Marta.
Recuou de imediato e o que lhe apeteceu fazer foi ir-se dali embora. Mas o casal, de costas para ela, acabou por se sentar na esplanada ao lado. Sofia pôs os óculos, mudou de posição e ficou a observá-los. Não era difícil perceber que tipo de relação estava ali. A jovem, porque era de alguém que não teria mais de vinte anos, que se tratava, manifestava de forma bem exuberante o que sentia pelo seu acompanhante.
Finalmente Sofia resolveu ir-se embora porque começava a estar incomodada com o que via. Apenas hesitou se deveria ou não mostrar-se, de modo a dar a conhecer a Alexandre, que vira tudo. Tomou a decisão de lhe falar na esperança de que ele se viesse a sentir constrangido.
Pura ficção da sua parte. Ao vê-la, Alexandre não só a cumprimentou como a convidou a sentar-se à sua mesa e lhe apresentou Isabel. E, surpresa das surpresas, nem sequer se coibiu, nos escassos instantes que ali esteve, de manter as manifestações de afecto que ela já vira antes. Incomodada, mas sem o mostrar, Sofia despediu-se.
Já no carro pensava no que iria fazer. De certo, contar ao marido. Mas, depois, o que fazer? Esquecer? Não se intrometer? Não contar? Estava muito angustiada e até chocada. Era algo de impensável naquele casal!
Quando o marido chegou contou-lhe o sucedido. Ele não pareceu ficar muito surpreendido. E quando Sofia lhe perguntou o que haviam de fazer, respondeu-lhe “nada”.
- Como nada?!
- Exactamente o que ouviste, nada.
- Mas eu sou amiga da Marta…
- Por isso mesmo. O assunto é deles e respeita a sua privacidade. Se o contares, não resolves nada e vais perder dois amigos. É isso que queres?!
Sofia ficou a olhar para o marido, sem resposta. Mas acabou por seguir o seu conselho. É que se lembrou do velho ditado popular que diz que “entre marido e mulher, não metas, nunca, a colher”!

Helena

A troca


A jovem fora para Inglaterra tentar a vida que nunca fora grande coisa lá na aldeia toscana de onde saíra. Tinha dezoito anos e esperava fazer da bela figura que possuía, o seu modo de vida. Mas as coisas não correram de feição. E a futura ex modelo teve que deitar mão ao trabalho de empregada de mesa, para o qual, afinal, o corpinho também era importante, sobretudo naqueles pequenos restaurantes que rodeiam o centro financeiro de Wall Street pois foi num deles que a bela Laura acabaria por ficar.
Poucos meses antes, Pedro fora colocado num banco português em Londres, como responsável da sucursal. Casado com dois filhos, a mulher, Vera, não o quis acompanhar porque se dava muito mal com o clima da cidade. O casal via-se, assim, em fins-de-semana alternados, em que ou um vinha à capital nacional ou o outro ia à capital londrina.
Foi no pequeno restaurante onde o nosso banqueiro sempre almoçava, que se conheceram. Viriam a tornar-se mais íntimos depois. A ponto de viverem juntos toda a semana e de apenas se darem folga nos dias destinados à já citada conjugalidade familiar. Desta forma decorreram quatro anos de bigamia sem sobressaltos para ele e de promoção social para ela.
Uma manhã Pedro recebeu de Lisboa ordem de marcha para Madrid. Se, por um lado lhe desagradava ter de abandonar o centro nevrálgico dos negócios, por outro, agradava-lhe a movida madrilena. Quando Laura soube do sucedido, decidiu de imediato que o acompanharia. Nem um nem outro, todavia, contaram com a decisão de Vera em acompanhar o marido nessa nova etapa, numa praça mais perto de Portugal e com grandes vantagens climáticas sobre Londres.
Foi, de facto, uma surpresa da qual Pedro não sabia como sair, visto que Laura acabara por vir com ele para Lisboa e não o queria largar. A vida do banqueiro estava a tornar-se insuportável. A ponto de não ter encontrado outra saída, que não fosse contar tudo a Vera, na esperança de que ela fizesse o que ele, no fundo, não tinha a coragem de fazer. Ou seja livrar-se de Laura, cuja função, aliás, atingira o limite da validade. Foi o que, de facto, Vera fez, com dureza e habilidade. Dureza, para que Laura não ficasse com dúvidas sobre o significado da palavra “fim”. E habilidade, porque lhe levou na mão uma boa oportunidade de trabalho na venda de equipamento informático, numa empresa de um seu amigo, em Lisboa.
Raivosa, mas limitada e sem grandes conhecimentos, acabou por aceitar a oferta. O contrário seria voltar para a aldeia donde partira e à qual não queria tornar. Paulatinamente, jurou que havia de encontrar alguém que vingasse esta mal sucedida história. E, na verdade, encontrou.
O “anjinho” foi um dos seus clientes, também ele antigo bancário e casado. A princípio era um aconchego numa vida já pouco interessante. Para ele, que gostava de mulheres e a quem uma não bastava. Para ela, porque lhe arredondava os meses e lhe permitia frequentar outros meios. E, aqui, serviu-se do que aprendera antes. Aos poucos foi-se insinuando e em seguida engravidou. Estava criado o cenário para poder sair vitoriosa. E saiu, mesmo.
Laura e Pedro estão casados há poucos anos. Ela leva uma bela vida. E ele, por seu lado, fez da ex-mulher a sua “amante”, e mima-a como antes nunca fizera. E esta, na nova situação, está longe de ser infeliz. Bem ao contrário, o melhor bocado é hoje dela!
Helena