terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Razão de oportunidade!

Júlia sempre fora previdente. Depois de dois divórcios e dois filhos no regaço, aprendera. Aprendera que tendo o amor prazo de validade, o melhor era não embarcar em romantismos, porque fora com estes, que tudo de mau lhe acontecera.
Também era verdade, reconhecia, que não fizera as melhores escolhas. Por isso se convencera que as mulheres inteligentes, como era o seu caso, valorizavam tanto a cultura e o saber que se esqueciam, por vezes, de pensar noutros atributos não menos importantes.
Júlia era uma dessas criaturas. O primeiro marido, um engenheiro reconhecido pouco dado a despesas, considerava tudo como supérfluo. Durou o enlace doze anos e algumas amarguras.
Aos trinta e três a nossa heroína era uma mulher divorciada e com dois filhos a cargo. Porque também estes ficaram eternamente à espera de uma pensão de alimentos que ou não vinha ou aparecia a prestações.
O segundo companheiro surgiu quando um dos filhos adoeceu. Foi o médico que, numa urgência hospitalar, tratou dele e, convenhamos, deu à mãe o alento de que ela carecia. Tão bem o fez, que o garoto se curou e a mãe se casou. Passaram-se uns anos de feliz convivência. Até que uma jovem enfermeira lhe haveria de roubar o coração do precioso conjuge. Nova separação e também algumas desilusões.
Foi quando Júlia tomou a decisão de não voltar a casar. E assim se manteve solitária por largo período de tempo, afastando todas as "ameaças" que lhe foram aparecendo. Ela bem entendia que certos amigos poderiam ser algo mais do que isso, mas fazia-se desentendida...
Um dia, o filho mais velho procurou-a para a convencer a aceitar a discreta corte que um amigo advogado lhe vinha fazendo. Júlia reagiu, mandou-o meter-se na sua vida e explicou-lhe que não precisava de um marido para nada.
"Tenho nome, casa e carro próprios. A conta bancária não é grande mas dará para o que preciso. Então, para que é que me hei-de de casar? Para ser enfermeira'ou criada? Tomem juizo, tu e o teu irmão".
Haviam passado dois anos sobre esta conversa, quando se soube da morte do dito advogado. Teve pena e lembrou-se da conversa do filho. Agora seria viúva.
Para sua surpresa, um fim de tarde eles insistiram em levá-la a jantar fora. Desconfiada, já à mesa, perguntou-lhes a que se devia "tanta gentileza". Foi o mais velho quem respondeu:
- " Mãe, estamos aqui para lhe fazer uma crítica. O Dr Carvalhosa morreu. Se tivesse aceitado a nossa sugestão, nesta altura não era divorciada, nós tinhamos duas casas, dois carros e duas contas bancárias para dividir, mais tarde, pelos dois, o que tornaria as partilhas muito mais fáceis".
Irritada preparava-se para os meter na ordem, quando os filhos largaram uma enorme gargalhada e lhe disseram, a brincar que, como castigo de não ter acautelado o património filial, iria pagar o lauto jantar.
Júlia sorriu e pensou que eles tinham tido, de facto, um notável sentido do humor. E, até, talvez...uma ponta de oportuna razão!

Helena