quarta-feira, 20 de abril de 2011

As duas mulheres


Elvira já o sentia há pelo menos meia hora. Para onde quer que se dirigisse ele não a perdia de vista. A certo momento, cansada daquela dança parou e virou-se para o seguidor. Antes de balbuciar alguma coisa ouviu logo:
- Não se lembra de mim?
- Não. Não me lembro do senhor. E porque havia de me lembrar?
- Porque, outrora, nos conhecemos bem.
- Outrora quando? De certo que está enganado.
- Das Azenhas do Mar.
- Das Azenhas do Mar?! Mas como é que o senhor se chama?
- José Fidalgo. Primo dos Condes de Tomar, seus parentes.
- Desculpe, mas deve estar a fazer confusão. De facto, a nossa família tem, há muito tempo, casa nas Azenhas do Mar e somos realmente amigos dos Costa Cabral, condes de Tomar. Mas não tenho qualquer ideia de si ou de qualquer outro membro, seu parente com esse apelido.
- Mas devia, porque a nossa relação foi muito próxima.
- Muito próxima, como?
- Tão próxima quanto podem ser dois noivos.
- Noivos?! Que disparate. O único noivo que tive na minha vida foi o meu falecido marido.
- Engana-se. Fui eu. E ainda trago comigo a última carta que me escreveu. Num instante levou a mão ao bolso e retirou a carteira. Nesta, encontrava-se um papel de carta muito velho dobrado em quatro. Desdobrou-o com cuidao e mostrou uma carta curta assinada por uma Elvira.
- Não sou eu, caro senhor. A autora dessa carta não fui eu.
Neste instante, um jovem aproximou-se deles e disse:
- Desculpe o meu Pai. Desde que adoeceu que não faz outra coisa que não seja procurar uma Elvira. A minha falecida mãe chamava-se Natália.
E nós nem conseguimos, sequer, saber quem é esta senhora que parece ser tão importante para ele.
- É ela, filho. É a Elvira, a mulher que me deixou para casar com o Jacinto.
Elvira ficou lívida, paralisada a vê-los afastarem-se. O seu falecido marido chamava-se Jacinto!

Helena

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Para pensar…


A vida é o dever que nós
trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê já são seis horas!
Quando se vê já é sexta - feira!
Quando se vê já é Natal…
Quando se vê já terminou o ano…
Quando se vê já perdemos o amor da nossa vida
Quando se vê já passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado…
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade,
Eu nem sequer olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo
caminho a casca dourada e inútil das horas…
Seguiria o amor que está à minha frente
e diria que eu o amo…
E tem mais: não deixe de fazer algo
de que goste devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas a seu lado
por medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo
que, infelizmente, nunca mais voltará.

Estes versos de Mário Quintana acompanhavam Marta há anos. Nunca os achou velhos. Pelo contrário, quanto mais tempo passava, mais vivos lhe pareciam. Hoje é Matilde, a sua filha que os tem na mesa de cabeceira. E como sua mãe está longe de os considerar ultrapassados!

Helena

O passado de cada um


Teresa não vivia do passado. Mas acreditava que o futuro não se constrói sem as lições que dele tiramos. Ninguém pode, num passo de mágica, pretender eliminar uma parte da sua vida, por mais desagradável que ela possa ter sido.
E até julgava que era bom que assim fosse. Porque aquilo que já vivemos – bom ou mau – faz parte daquilo que somos. Pode estar muito arrumadinho num canto escondido da nossa memória. Pode, até, só raramente vir à lembrança. Mas está lá. E acabará por surgir sempre que vivenciarmos algo semelhante. Ou sempre que a sua revelação nos habilite a compreendermos melhor o mundo que nos rodeia.
Possivelmente era esta a razão pela qual a impressionavam tanto as pessoas que queriam “matar”, apagar, uma parte do que já haviam vivido, parecendo ignorar que esse património é uma das melhores ferramentas de que dispomos para cuidarmos do futuro.
Por isso, pensou, era tão difícil a sua harmonia conjugal. É que cada um dos elementos de um casal possui uma história de vida e uma família à qual, na maioria dos casos, o outro é alheio. Conciliar esses dois mundos nem sempre é tarefa fácil. Para cada um deles, mas também para as respectivas famílias que têm de conviver!
Teresa provinha de uma família da classe média alta, mas casara com o filho de um empregado da lavoura de seu pai. Todos haviam contrariado aquela união que vislumbravam plena de problemas. Dos quais, mais cedo ou mais tarde, ela iria dar-se conta.De facto, assim foi.
Tudo correu bem até ao nascimento do primeiro filho. Com ele começaram as divergências, porque o neto pulava do avô caseiro para o avô proprietário, obrigando ambos a um convívio diferente daquele que sempre haviam tido e que resultava de uma mera ligação laboral.
O mal-estar instalou-se. Com efeito, não era fácil explicar a uma criança de três anos, porque é que a vida de cada um dos avôs era tão diferente. Para o garoto aqueles entes queridos eram e seriam sempre iguais.
Teresa sentia, agora, na sua pele o que antes lhe haviam tentado fazer compreender. Não queria hostilizar marido nem os sogros, mas também não podia pôr-se contra o pai. Até porque não tinha razões objectivas para o fazer. Qualquer deles vivia como gostava e disso nenhum abdicava.
Na verdade o ditado popular era bem certo o adágio popular, quando afirmava “antes que cases, vê o que fazes”.
Como eles iriam resolver a questão nenhum sabia. Apenas tinham a consciência de que, mesmo no amor, os passados de cada um contam muito!

Helena

domingo, 3 de abril de 2011

O anel

A realidade, em muitas ocasiões, ultrapassa a própria ficção. Todos sabemos isso. Mas ficamos sempre surpreendidos quando se trata de nós. Era este o pensamento de Sofia quando chegou ao hotel. De facto, acabara de viver uma história que ilustrava bem o adágio.
A nossa heroína, antiga jornalista e hoje directora de uma empresa de comunicação, tinha decidido tomar uns dias de férias. A verdade não era exactamente esta, uma vez que a realidade é que ela fora convidada por um cliente a ir até Berlim, após ter ganho o projecto para o qual a sua empresa fora contactada.
Ambos divorciados, o convívio profissional havia-os aproximado. Sofia, que não pretendia relações passageiras, considerou que aquela viagem lhes permitiria conhecerem-se um pouco melhor e por isso resolveu aceitar o mimo. Mas não quis, na altura, pôr a família ao corrente da situação. Por isso, as férias surgiram como uma boa desculpa perante um ano de muito trabalho.
A viagem correu de modo excelente e, no último dia resolveram visitar alguns jardins mais emblemáticos da cidade. Num deles uma árvore centenária dominava o parque. Naturalmente o casal aproximou-se para a observar de perto, surpreendido pelas raizes enormes e salientes. Numa delas algo brilhava.. E um rapaz tentava, com um graveto, isolar o objecto brilhante. Baixaram-se para ver o que era. Nada mais, nada menos, do que uma aliança larga dourada que parecia enrolar-se num pequeno abeto que crescia à volta.
O adolescente pegou nela. Mas, ao vê-los, deve ter julgado que eles a teriam perdido e a haviam encontrado. Rápido, fez o gesto de a devolver e desapareceu a correr. Sofia e Rui não puderam deixar de rir pelo embaraço do garoto. Nenhuma data ou inscrição. Nada.
Hesitaram entre deixá-la no mesmo lugar ou guardarem-na. Decidiram-se por ficarem com ela. Voltaram a Portugal. Mandaram gravar a data e desde há dois anos que Sofia nunca mais a tirou do dedo.
Muitas histórias podem estar por detrás deste anel. Divórcio, arrufo, ou pura perda. Nenhuma será feliz. Excepto para a nova dona que tem por ela uma imensa ternura!

Helena