segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Era assim antigamente

Corria o ano de 1965. Os casamentos religiosos eram, ainda, a maioria dos que então se realizavam. Contrair matrimónio apenas pelo "civil" era mal visto. Tanto, quanto os divórcios, engeitavam mulheres e filhas. De facto, estas encontravam bastante dificuldades em serem aceites na sociedade da época, pese embora nada terem feito que tal justificasse.
Foi neste ambiente que Aurora viu o seu marido abandonar o lar. A razão por que o fez está, ainda hoje, longe de ser clara. Outra mulher? Cansaço? Desinteresse? Ânsia de liberdade? Ninguém sabe. Só o Zé que, aliás, nunca o confessou.
O casal tinha duas filhas já maiores. Uma casada a outra solteira, acabadinha de sair da Universidade. Por isso o pai já não necessitava de autorização materna para estar com os rebentos.
Mas Aurora não fora educada para ser uma mulher abandonada. Assim, quando o Zé lhe pediu a separação judicial, não lha deu. Ao menos continuava casada, pensava Aurora.
Mas havia que contar com as más línguas e os olhares da vizinhança, que não deixariam de reparar na ausência do Zé por aquelas paragens. Portanto, era urgente encontrar uma solução.
Um dia, saíu de casa e voltou com duas mudas completas de roupa interior masculina. A qual, a partir de então, passou a ser molhada todos os dias e alternadamente estendida nos varais da casa.
Todos os dias até à revolução do Ministro Salgado Zenha, que acabou por permitir ao Zé que se separasse da Aurora, mesmo contra vontade dela.
Finalmente a roupa deixou de estar estendida no varal. Mas Aurora continua, ainda hoje, com noventa anos, a usar aliança no dedo anelar esquerdo e a assinar o nome do marido.
Era assim antigamente...

Helena