quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O tempo não volta atrás

Às vezes a vida prega-nos partidas. Conheciam-se há anos. Desde a escola primária. Tudo gente fina, daquela que por educação foi habituada a conter-se, a esconder as emoções. Gente que não dá beijos e abraços, porque esse tipo de manifestações não são próprias do meio em que cresceram. Gente que convive, mas não se entrega. Foi neste enquadramento que Gabriela e Armando foram crescendo.
A revolução dos cravos trouxe-lhes, de repente, uma nova realidade. Os bens que tinham, foram perdidos, as propriedades ocupadas, e a família, aos poucos, foi-se desfazendo. Uns, porque se adaptaram aos novos tempos. Outros, porque jamais deixaram de suspirar pelos antigos.
O pouco que sobrou foi sendo discretamente vendido pelos pais para manter um mínimo abaixo do qual sentiam que já nada mais lhes podia acontecer. A casa familiar manteve-se, mas foi transformada numa pequena pensão a que pomposamente passaram a dar o nome de de turismo de habitação.
Gabriela estava ao comando dos quartos e Armando à mesa e na cozinha. Os estudos universitários dos irmãos foram à vida. O clã manteve-se unido até que os jovens atingiram a maioridade e decidiram rumar à capital, para viver a sua vida.
O rapaz encaminhou-se para o exército. A rapariga virou empregada de balcão. Do primeiro ninguém mais soube, perdido nas intrigas políticas a que aderira. Gabriela, essa, nunca se conformou com as perdas que tivera. As do património e as do estatuto social.
Um pouco perdida, já não pertencia ao berço em que nascera, mas continuava sem ser capaz de se integrar no meio do qual fora forçada a fazer parte, uma baixa burguesia, que pouco ou nada tinha que ver com ela, para além da comum necessidade de sobreviver. E, se para alguns, a ânsia era experimentar outro nível de vida, para Gabriela, a ambição era a vingança de retornar à antiga existência.
Só que o presente raramente volta atrás. Os colegas de trabalho melhoraram, de facto, os seus padrões e acederam a um mundo que antes lhes era negado. Para Gabriela era mais difícil, porque jamais voltaria a ser quem havia sido. Pela simples circunstância de que, apesar do o tipo de vida que tivera, poder voltar a existir, as pessoas já não eram as mesmas, nem pensavam do mesmo modo.
Talvez tenha sido essa ambição de retorno ao passado, que a levou a aceitar a corte de um homem mais velho e rico, que se encantou com o que adivinhava haver dentro dela. E lhe fez todas as vontades.
A nossa heroína voltou, assim, à antiga casa paterna que recuperou por bom preço e que voltou ao que era antes da revolução. Só que já nada tinha o mesmo sabor de antigamente. Nem os amigos nem Gabriela ficaram incólumes ao que se passara. Vivia bem, tinha dinheiro e quem a servisse. Tudo como antes. Ou, até, talvez, melhor. Mas já nada sabia ao mesmo...
Quando o marido morreu a sua grande preocupação foi recuperar o irmão. O que não aconteceu porque ele nunca aceitou que ela tivesse readquirido a casa paterna e voltasse aos hábitos anteriores à revolução a que ele aderira.
As revoluções quando não são silenciosas têm por vezes estes efeitos fracturantes para a sociedade e para as famílias que a compõem. E tem que se aceitar que assim seja, se esse for o preço a pagar pela evolução.
O que não quer dizer que uns não o sintam como uma factura de valor muito alto...

Helena