sábado, 22 de dezembro de 2012

Subir a pulso e ficar só!

Tudo na vida de Joaquina a levaria para uma existência normal. Normal porque igual a tantas outras. Nascida na Costa da Caparica, filha de pescador e de peixeira, cedo se aventurou nos mercados municipais, onde a mãe vendia o que o pai havia recolhido.
Foi aí que aprendeu o jeito de mercar, de escolher aqueles com quem se podia negociar. A deterioração da saúde materna havia de leva-la a ocupar na praça o lugar deixado pela progenitora.
Esperta e também afoita, rapidamente se deu conta que o mercadejar individual dava menos do que falar e discutir preços e condições com os grandes revendedores. Treinou-se nesta arte e nunca teve pejo de baixar o seu preço para ganhar aos colegas o cliente aprazado. Foi assim subindo os degraus da vida e a dada altura já era ela a intermediária. Entre os que continuavam como ela e os grandes compradores. O corpo havia de ajuda-la a simplificar alguns negócios. E a conhecer outro meio.
Quando a mãe morreu já deixara a banca e tinha uma espécie de escritório na pequena casa onde viviam. Esta e aquele foram crescendo e uma década passada sobre a partida materna, Joaquina já vivia numa moradia, tinha carro e gente que trabalhava para ela.
Com quarenta anos possuía tudo o que sonhara. Só não tinha amor nem tempo para o encontrar. Há vidas assim, que não conseguem encaixar os dois pratos da balança do sucesso. Deixou, por isso, de pensar no amor e continuou a enriquecer e a vingar-se, afinal, do que nem a mãe nem a menina que fora, haviam tido.
Hoje tem setenta anos e uma vida centrada na riqueza. Amigos apenas possui os que dela dependem. O que é a mais trágica forma de solidão.
Joaquina morreu sozinha numa noite de consoada. Sem ninguém a seu lado. Sem herdeiros, havia de ser o Estado a ficar-lhe com tudo o que na vida havia ganho...

Helena

domingo, 9 de dezembro de 2012

A verdade da mentira

Sempre foste mentiroso. Mas eu sempre soube disso e amparei o teu jogo. Hoje pergunto-me porquê e não sei qual das respostas que ensaio é válida. Seria porque o sexo era bom? Creio que não, pelo que, depois de ti, aprendi. Seria porque eras o mais terno dos homens que conheci? Duvido, porque atrás dessa ternura vinha sempre um pedido, uma solicitação interesseira. Seria porque me davas a mão, quando os outros olhavam para nós? Improvável, porque quando estávamos sós esses dedos nem os meus tocavam. Seria porque eras a minha droga, a minha vitamina, a razão pela qual eu existia? Talvez. É muito possível que essa fosse a primeira das causas.
Seriam, de certo, muitas as razões por que eu te amava. Razões frágeis, falsas, destrutivas. Mas, nem por isso, menos reais. Ou, apesar disso, suficientemente ponderáveis para que eu não fosse capaz de te deixar, na certeza de que se o fizesse, não sobreviveria.
Contudo, um dia, foste capaz de falar verdade. De me avisar. De me deixar. E eu, tonta, habituada que estava à mentira do nosso amor, não te acreditei. Esperei, na certeza de que haverias de voltar. Terias que o fazer porque não sabias viver com a verdade. Mais cedo ou mais tarde. Não importava. Havias de voltar, eu tinha de confiar que assim seria. Só não sabia quando...
Afinal não voltaste. Para mim. Voltaste para quem querias voltar. E eu, idiota, ainda me recusei a acreditar. Esquecendo que a vida não se escreve. Apenas acontece. Para alguns. Porque, para outros, ela apenas se limita a passar...

HSC

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Diálogo provável

Joana sabia que um dia Marta poderia vir a saber. Não seria a primeira nem seria a última. Mas era uma mulher pragmática e não estava para tomar decisões precipitadas.
Afinal se o António não se divorciava porque havia ela de faze-lo? Há muito que aprendera que mais vale ter um pássaro na mão do que ter dois a voar. Mas o que ela não esperava foi que ele lhe comunicasse que deveriam ambos tomar uma decisão. E que essa decisão fosse o resultado do diálogo que se segue:
- Temos de tomar uma decisão agora, Joana.
- Mas que decisão?
- A de nos divorciarmos
- Mas porquê agora?
- Porque andamos nesta situação há cinco anos.
- Está bem. Mas deve haver uma razão para ser agora que levantas o problema.
- Estou farto...
- Mas ontem não estavas. O que é que mudou em 24 horas?
- Mudou tudo.
- O que é o tudo?
- É a Marta ter decidido dizer-me há uma hora que se quer separar de mim.
- Ah! Agora já percebo.
- Ainda bem querida. Eu sabia que tu ias compreender. Afinal sempre desejaste isto, não é verdade?

HSC