Tudo na vida de Joaquina a levaria para uma existência normal. Normal porque igual a tantas outras. Nascida na Costa da Caparica, filha de pescador e de peixeira, cedo se aventurou nos mercados municipais, onde a mãe vendia o que o pai havia recolhido.
Foi aí que aprendeu o jeito de mercar, de escolher aqueles com quem se podia negociar. A deterioração da saúde materna havia de leva-la a ocupar na praça o lugar deixado pela progenitora.
Esperta e também afoita, rapidamente se deu conta que o mercadejar individual dava menos do que falar e discutir preços e condições com os grandes revendedores. Treinou-se nesta arte e nunca teve pejo de baixar o seu preço para ganhar aos colegas o cliente aprazado. Foi assim subindo os degraus da vida e a dada altura já era ela a intermediária. Entre os que continuavam como ela e os grandes compradores. O corpo havia de ajuda-la a simplificar alguns negócios. E a conhecer outro meio.
Quando a mãe morreu já deixara a banca e tinha uma espécie de escritório na pequena casa onde viviam. Esta e aquele foram crescendo e uma década passada sobre a partida materna, Joaquina já vivia numa moradia, tinha carro e gente que trabalhava para ela.
Com quarenta anos possuía tudo o que sonhara. Só não tinha amor nem tempo para o encontrar. Há vidas assim, que não conseguem encaixar os dois pratos da balança do sucesso. Deixou, por isso, de pensar no amor e continuou a enriquecer e a vingar-se, afinal, do que nem a mãe nem a menina que fora, haviam tido.
Hoje tem setenta anos e uma vida centrada na riqueza. Amigos apenas possui os que dela dependem. O que é a mais trágica forma de solidão.
Joaquina morreu sozinha numa noite de consoada. Sem ninguém a seu lado. Sem herdeiros, havia de ser o Estado a ficar-lhe com tudo o que na vida havia ganho...
Helena