segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A herança

Ele já não era novo, mas tinha um escritório de advocacia. Constava que tinha dinheiro. Elsa era jovem mas não tinha onde cair morta. Fazia a limpesa do seu gabinete. Foi assim que se encontraram.
Quando o Dr. Joaquim lhe propôs casamento, prometeu-lhe fazê-la sua herdeira. O termo, mágico para quem não tem nada de seu, chegou-lhe. Nem tratou de saber quanto valia o património, apesar das amigas insistirem para que o fizesse.
A casa, dizia-lhe o noivo, era sua propriedade. Assim como o recheio. O carro também era seu e a reforma bastante boa. Tudo, por sua morte, ficaria para ela.
Foram mesmo ao cartório para ele fazer testamento a favor dela. Tudo como manda o figurino da gente séria. As amigas, desconfiadas com a sorte, aconselhavam-na a ter cautela.
"Não cases. Vai viver com ele, porque ao fim de dois anos tens quase os mesmos direitos" diziam as amigas.
Mas Elsa queria ser mulher de um senhor doutor. Achava que era essa a sua ambição e dava-lhes conta dela.
" Tem juízo, rapariga. Vais dar-lhe carne fresca e não sabes se a mobília tem caruncho. Vai com cautela. Deixa-te de grandezas", avisavam as mais batidas pela vida. Mas nada demoveu Elsa do sonho de ser a mulher do senhor doutor.
Chegou o dia. O casamento pelo civil decorreu em casa do noivo. E foi quando ela soube que o futuro marido, afinal, era brasileiro. Mas ele acalmou-a dizendo que apenas nascera no Brasil e viera para Portugal com meses de vida.
De facto, Elsa estranhara não ver família, mas percebeu que vir a Portugal era caro. E a cerimónia fez-se.
Passaram uns anos em que a vida foi difícil. Apesar de ser a mulher do senhor doutor, continou nas limpesas. E era o dinheiro que ganhava que ia aguentando a casa.
Um dia o marido adoeceu. Durou pouco. Afinal padecia de uma doença maligna há já alguns anos. Ela é que não sabia.
Quando foi o enterro Elsa descobriu a verdade. O casamento fora uma farsa. O Dr. Joaquim tinha mulher e filho no Brasil. Que vieram a Portugal reclamar a herança. A tal que ela havia de receber. Invocou o testamento. Mas este havia sido anulado pouco depois de casarem.
Valeu-lhe a dita união de facto, que ela recusara, para manter a casa que, afinal, era alugada!

Helena

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