segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Tudo se transforma


Conheciam-se de crianças porque tinham crescido juntos. Gente humilde, modesta, lá para as bandas do Alentejo, habituados a do pouco fazer muito.
Ela queria ser grande. Ele não pensava nisso.
De manhã, chovesse ou fizesse sol, percorriam quatro quilómetros para ir aprender o que os havia de salvar. Achavam os outros. Que eles só achavam muito duro tanto ter de caminhar.
O tempo foi passando. A garota virou mulher, fez-se gente, que era a sua aspiração. O rapaz, esse, fez-se ao caminho da capital, como moço de recados de um conterrâneo que abrira uma mercearia.
A moça casou, porque esse era o seu destino. O miúdo aprendeu como o negócio se fazia e, depressa saiu das obrigações dos outros, para as suas próprias obrigações. Anos passados, era a sua vez de mandar fazer recados.
Da loja de bairro que tem tudo, passou a loja que só tem algumas coisas. Aquelas de que gosta quem tem mais dinheiro. Foram estas que se multiplicaram e fizeram dele um homem rico. E só.
A mulher feita, fez-se mãe, completando o ciclo que lhe estava destinado. De dois filhos. Que a vida não permitia mais. Mas, de repente, quando nada nem ninguém o esperasse, ficou viúva. Com filhos criados, ficou só.
Cada um completando o seu ciclo vital, acabaram por se encontrar no enterro de um amigo comum. Ele viu nela a infância esquecida. Ela viu nele o futuro que poderia ter sido o seu.
Despediram-se com o olhar, ambos amparados nas suas próprias solidões...

Helena

2 comentários:

  1. Está a ver? Um conto simples, muito bem contado e que dava guião cinematográfico pelo epílogo... Tenho um tão parecido com este! Só que a trajetória é feita na evolução dos sentimentos. Ainda dá aulas de guionismo, Helena?

    (O blohue estava suspenso sim, desde a Primavera passada :)

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  2. Paulo
    Este ano fiz férias sabáticas. Admito, contudo, no 2º semestre, recomeçar essas aulas num novo Instituto Superior de Cinema que irá abrir.

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