O Manuel era um sujeito calmo, apreciado tanto por homens como por mulheres. Os primeiros valorizavam o perfil discreto. As segundas, para além disso, sentiam que estava ali à mão de semear um ouvido sempre atento e uma pessoa da maior confiança. Contavam-lhe tudo. Desde as desavenças familiares, às rupturas maritais e algumas vezes, ao abrirem o seu coração, abriam também a porta do dito orgão vital. Para que pudesse ser tomado ou, pelo menos, partilhado.
A má da fita era sempre a Ondina, que se lamentava de que ele só tinha disponibilidade para os outros e se esquecia de quem tinha em casa. Claro que era verdade. Mas só era para ela. Os outros, esses, só conheciam o lado mavioso...
Daí que a desgraçada não tivesse, nunca, a atenção nem de homens nem de mulheres. Nem ouvidos para desabafar. Nem conselhos para receber. A excepção era só a sua mãe. Não pelo facto de sê-lo, mas porque conhecia a pinta do genro. Ela própria fora casada com uma pessoa do mesmo tipo.
Numa altura em que o sogro fora internado, o Manuel pediu-lhe para levar a televisão para o quarto do hospital, para o pai ficar mais acompanhado. Solícita, a Ondina disse que sim, embora estranhasse não a ter visto quando foi visitá-lo.
Inquirido, o marido disse-lhe que fora roubado e lha tinham tirado do carro. Não lhe dissera porque não quisera preocupá-la.
Meses mais tarde, na ausência de uma empregada, a sogra mandou-lhe a irmã da que trabalhava lá em casa, para lhe dar uma ajuda. Num fim de tarde, em conversa, antes de sair, a Clementina, disse-lhe: "minha senhora, desculpe, ando há tanto tempo para lhe agradecer e ainda não o fiz. Muito obrigada pela televisão que deu à Rosário. Não calcula o prazer que nos tem dado ver tudo em ecrã grande. Bem haja pelo presente"!
Helena
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