terça-feira, 14 de setembro de 2010

A marca...

A Elisa ainda hoje tem dificuldade em olhar para a marca. Por vezes chega a perguntar a si própria como pode alguem levar tanto tempo a esquecer alguma coisa. É que já lá iam vinte e tal anos e nada de olvidar aquela história.
Lembra-se bem. Já estava no segundo casamento. O marido, um apreciador do belo sexo, não lhe dava grande descanso. Mais jovem do que ela, não sendo uma estampa, sabia como encantar as damas à sua volta. Derramava ternura e afecto - durante anos tomavam as refeições quase sempre de mão dada - e a conversa ia sempre no sentido que mais lhe convinha. Elisa, aliás, sabia-o por experiência própria, uma vez que quando o conhecera o achara insignificante e seis meses depois estava casada com ele. Isso mesmo. Casada, não junta, como então se dizia!
E, de facto, foram as falinhas mansas que a levaram ao altar. Não popriamente ao altar, porque só casaram pelo civil, mas mesmo assim, ela que era mulher experiente, tinha ido na conversa.
Certa noite de Inverno, estavam ambos deitados a ler, quando Elisa, que folheava uma revista, lhe disse "esta nova marca nacional tem roupas bem bonitas. Pena é que seja tudo para exportação". João levantou os olhos do jornal, viu as fotos e, quase entre dentes, retorquiu "não é nacional. É francesa". Seguiu-se uma pequena conversa em que ela tentou convencer o marido de que este estava enganado. Mas João não saíu da sua, o que deixou Elisa incomodada.
Dormiu mal e de manhã voltou à carga, mas o consorte calou-a dizendo-lhe, agastado, "sei do que estou a falar. Não insistas".
Aí a campaínha do sexto sentido alertou-a. Sabia do que falava, logo ele que nem às compras ia com ela? Donde lhe vinha tão súbito conhecimento de moda feminina? Ou era um acaso e ela não acreditava neles, ou havia algo que ela não sabia...
Os meses que se seguiram acabaram por esclarecê-la. João tornara-se subitamente num expert de roupas para senhora. Interiores e exteriores. Em particular daquela marca.
Um dia veio a verdade. O marido delicado transformou-se num homem carrancudo a quem nada satisfazia.
Elisa indagou. Como só as mulheres sabem fazer, quando sentem o seu lugar em risco. E João não era muito cuidadoso. Daí que não tivesse sido difícil descobrir ... a amante francesa que é hoje sua mulher. E que deve acautelar-se porque, ao que ultimamente ouvira dizer, já andava uma espanhola na calha!

Helena

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