quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O condomínio


Era um condomínio de luxo. Naqueles em que para se comprar ou arrendar casa, é necessária a prévia aprovação dos outros condóminos. Portanto, não bastava ter dinheiro. Era preciso ter nome, pedigree.
Dinheiro ele até tinha bastante, porque era jogador de futebol, essa nova classe social, que ganha num dia o que cem trabalhadores não ganham em toda a vida. Mas não tinha o porte, nem falava como os restantes eventuais vizinhos. E ostentava, justamente, o que os outros escondiam.
A situação estava a tornar-se complicada. O Chéu - era este o nome porque era conhecido no meio futebolístico - já fora a várias entrevistas, já mostrara uma mala com dinheiro, já sacudira o Rolex de ouro no braço, já ostentara o brilhante de nove quilates no dedo mínimo, enfim, não podia expor mais a sua grande fortuna, na tentativa de convencer os dois administradores que seleccionavam a sua admissão.
O problema maior era a família que vinha da terra para passar as Festas com ele e, a quinze dias do Natal, o alojamento de todos não se encontrava ainda resolvido, o que retirava a Chéu o prazer de mostrar como a sua vida mudara. Conversa para aqui, conversa para ali, suborno incluído, nada demovia um dos examinadores que não se convencia perante o exibicionismo das toillettes do casal e a sua simultânea dificuldade de expressão. Não, eles não pertenciam à upper class que ali habitava. Impossível admiti-los sem criar grandes problemas àquele tipo de vizinhança!
A noite de 24 de Dezembro aproximava-se e Chéu já não sabia onde passar as Festas com a Família, que se deslocava num autocarro, que ele fretara para o efeito. No dia 23, numa última reunião em que o preço da casa havia inclusive subido, o contrato continuava por assinar.
Perante a debacle iminente, um dos administradores resolveu dar uma ajuda para a noite da consoada e sugeriu que Chéu ficasse instalado na zona dos empregados, onde havia uma casa disponível, até que a autorização de compra se tornasse definitiva.
Colocado perante o risco de não ter onde alojar os seus, Chéu acabou por aceitar, com a garantia de que na passagem do ano tudo estaria a postos para maravilhar os familiares.
Lá se arrumaram todos como puderam e iniciaram o repasto. Mas, a meio da refeição, quando se começavam a fazer os discursos a parabenizar o casal pelo sucesso que obtivera, uma tia idosa, que já não media as palavras, porque as medira toda a vida e desistira dessa contenção, exclamou:
- Ó Chéu, tu desculpa lá, mas é a este buraco que tu chamas casa?
A família ia morrendo, embora no íntimo, todos pensassem que aquela era mesmo a sua mansão, que ele disfarçara quando lhes dissera que era dos empregados.
- Sabes, filho, ainda vais ter que aprender muito. Bater bem na bola não é garantia de bater bem da cabeça. Tem juízo, enxerga-te, manda-os à vida e não fiques aqui. Vai para onde te aceitem pelo que vales e não pelo que não és.
A tia já morreu. Chéu percebeu a lição e encontrou outro condomínio onde quase todos se conhecem e onde todos se aceitam.

Passaram quinze anos sobre esse Natal. O condomínio de luxo faliu e quando lhe propuseram comprar a sua antiga casa por metade do preço, Chéu respondeu-lhes que não, que nenhum dos condóminos passava no seu exame de admissão...

Helena

Nota: Este conto de Natal foi um pedido da Lisa. Não tem lareira, nem presépio, nem Pai Natal. Mas tem a vantagem de ser quase verídico!

4 comentários:

  1. O nome do jogador até é bem real, se substituirmos o C por S. Penso que é negro e ainda trabalha no Benfica, apesar de já não jogar.
    É um belo conto, e o final é justo.

    Desejo-lhe um Feliz e Santo Natal

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  2. Obrigada pelo conto!!!
    Realmente não é daqueles românticos de Natal.... mas acontecem muito por aí histórias idênticas.

    PS: Nem imagina o sorriso que me provocou ver a sua referência ao meu pedido.

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  3. Querida Helenamiga

    É por essas e por outras que eu não chupo condomínios. E, claro, por não ter €€€€€€ para o efeito.

    Qjs natalícios e Boas (???) Festas

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  4. Cara Helena

    Que o seu Natal continue a ser um enorme condomínio de bondade, partilha e inspiração onde abrigar todos os corações desesperados. Afinal, que melhor elevador social que leve ao pátio comum, que o da partilha e o da bondade?

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