sábado, 10 de dezembro de 2011

Lembras-te, meu amor?


Meu amor
Eu sei que tu não queres que eu te escreva, porque as minhas cartas te irritam. Mas que queres? Eu não tenho outra obsessão que não sejas tu, que estás entranhado em cada poro da pele deste meu corpo que te entreguei e jamais será de outro.
Lembras-te, amor, das nossas tardes de paixão, ao fim de semana, na casa das Azenhas do Mar, em que o ruído do bater das ondas apenas amortecia os teus gritos de prazer?
Lembras-te, amor, de quantas vezes nos entregávamos, quase sem interrupção, as tuas mãos percorrendo o meu corpo que lhes respondia, sôfrego, numa convulsão final, que afinal o não era, porque outra e outra lhe sucedia, sem que disso tivéssemos consciência?
Lembras-te, amor, dos nossos corpos suados, no inverno, quando me possuías com paixão, consumida ao ritmo que imprimias ao teu prazer, que procurava o meu e nele se fundia?
Lembras-te, amor, dos beijos com que presenteaste cada parcela de mim, como se o meu corpo fosse uma estrada sem fim, que recomeçava e continuava em cada esquina de mim?
Lembras-te, amor, quando fiquei exangue no dia em que me confessaste que outra mulher havia tomado um novo lugar - o meu não, esse, jamais podia ser - no teu coração e me sugerias que fora a minha obsessão que ditara o nosso fim?
Lembras-te, amor, que sempre me disseste que eu era unica e que o seria até ao fim da tua vida que, sem mim, não teria, mais, significado?
Lembras-te, amor, de quem nós fomos, de quem nós éramos, nessa época? Lembras-te de mim?
Eu sei que não, que não te lembras, já, desta mulher de quase sessenta anos - os teus, também- que, numa dada altura, teve vinte, a idade daquela que, neste momento, ocupa, habita a tua vida.
Mas eu quero que, quando a tiveres nos teus braços, me recordes nesse tempo, que a minha imagem se sobreponha à dela e que seja eu, de novo, que tu estejas a amar. É por isso que te escrevo esta carta. Para que, quando a possuíres, seja eu que tu possuis.

Sempre tua
Amélia

3 comentários:

  1. Helenamiga

    Belíssimo. Só, não é preciso dizer mais.

    Qjs

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  2. Helena
    Triste e lindo. Quantas Amélias escreveriam cartas destas? Tantas!
    Beijinho
    Maria

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  3. Possuir outro corpo, pensando em quem se ama, é uma covardia tamanha.
    Sendo para ambos o mesmo sentir, porque não abandonar o prazer e agarrar o amor, que pode se perder em tamanha aventura?

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