quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Os alcatruzes da nora


Nada na vida uniria aqueles dois. Um quase analfabeto e de gente humilíssima, que lhe havia incutido a subserviência como forma de defesa das agruras que os ricos e poderosos sempre lhes traziam. Manel cresceu neste ambiente.
Maria, ao contrário, já no ventre da mãe sentia as diferenças de tratamento. Médicos de primeira e clínicas de luxo. Pais licenciados, cultos, socialmente de primeira casta, apesar de serem republicanos, intelectuais de esquerda e amantes de tudo o que o dinheiro pode comprar.
Por azares da vida, ele nasceu nasceu no meio da vinha, num parto naturalíssimo, e o leite que o alimentou foi misturado com as sopas de vinho que também emborcou.
Ela nasceu de forceps, num parto que ia pondo em risco quer a mãe quer a filha, e foi amamentada pelos leites de uma ama contratada para o efeito, não fosse o acto destroçar os belos seios da progenitora.
Ambos viviam no Alentejo e aí foram crescendo não tão distantes um do outros como este registo classista poderia fazer supor. Porque nem todas as crianças são sensíveis à herança genealógica paterna.
Mas quando Maria veio estudar para a capital deixaram de se ver.
Manel tornara-se num revolucionário empenhado em mudar as condições de vida da sua terra. Maria apenas queria exercer medicina, fossem quem fossem os doentes. Por isso feito o internato retornou às origens.
O 25 de Abril haveria de inverter os papeis. Manel tornou-se o homem forte da terra. A família de Maria viu tudo o que tinha ocupado e destruído. Os pais não resistiram e um morreu atrás do outro.
Maria trabalhava, agora, por favor de Manel, no posto médico. Manel fizer das propriedades de Maria, uma das maiores cooperativas daquela região.
Nunca se sabe ao certo o que a vida nos prepara. Mas uma coisa é certa. O que é mau para uns é, por norma, bom para outros. Ou, dito de outro modo, os alcatruzes da nora não estão sempre no mesmo sítio. Umas vezes estão em baixo. Outras vezes estão em cima. Feliz ou infelizmente...

Helena

2 comentários:

  1. Helena:
    Por uma palavra, não acertou no nome do meu blog: "Os Alcatruzes da Roda". Pus-lhe este nome, por causa da roda do Mouchão, em Tomar.
    A vida é mesmo como os alcatruzes: Ora sobem cheios de água, ora descem esvaziando. Quantos casos destes terão acontecido? Gostei da história e do nome.
    Um beijinho
    Maria

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  2. Helenamiga

    Hoje a estória é outra,com Manel e com Maria, ou sem: andamos todos (ou quase todos) à... nora

    Qjs

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