terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A surpresa

A rapariga era ambiciosa. Não sabia bem o que queria. Apenas sentia que não queria levar toda a vida naquela zona afastada do mundo, onde a juventude era escassa.
Tudo começou com a instalação de televisão na aldeia beirã. Foi por seu intermédio que Graça começou a perceber que havia gente diferente dela e formas de vida que nada tinham a ver com a sua.
Depois, a vinda a férias dos primos emigrados em França, na Suiça e no Luxemburgo, fizeram o resto, ou seja, marcaram ainda mais a sua incipiente vontade de partir. E se bem pensou, melhor o fez. Aproveitando a estadia na terra de uns senhores de Lisboa a quem a mãe prestava, de forma episodica, serviço doméstico, insinuou-se junto da filha dos patrões, Matilde, que tinha a mesma idade e conseguiu que os pais autorizassem a sua vinda para a capital. Tinha quinze anos quando chegou.
Foi uma revolução na sua existência. Viera para ajudar na casa, mas o que mais lhe agradava era perceber o que Matilde aprendia. Acabou, ao fim de alguns meses, por ter autorização para estudar à noite, no liceu em frente da casa onde viviam. Nada lhe dava mais gosto e, no fundo, até beneficiava a amiga, menos dada aos estudos.
Os anos decorreram tranquilos e Graça aprendeu tudo o que na aldeia jamais teria podido saber. Não foi só o saber. Foi tambem uma outra forma de viver. E de ter ambições.
Terminado o liceu punha-se o problema da Faculdade. A menina de família só pensava em casar. A garota da aldeia só pensava em estudar. Foi aí que o problema surgiu. Porque os senhores não podiam - ou não queriam - ter em casa uma empregada que lhes ultrapassasse a filha em instrução.
Sábia, Graça compreendeu. E aos vinte anos decidiu trabalhar a dias e continuar a estudar. Alugou um quarto miserável, passou dificuldades. Mas foi conseguindo melhorar de profissão, viver num quarto melhor e terminar o curso. Fez-se, finalmente, advogada.
Tinha já sete anos de profissão, quando um colega lhe mandou um caso de divórcio de que ele se não podia ocupar por ser amigo de uma das famílias. Tratava-se de um engenheiro cujo casamento durara apenas dois anos. Tudo apontava para algo sem complicações.
No dia em que recebeu o novo cliente ouviu as suas razões e resolveu aceitar o caso. Na altura de pedir os elementos, é que veio a grande surpresa. O seu cliente era, nem mais nem menos, o marido de Matilde.
Percebendo que algo se passara, o engenheiro manifestou-se e inquiriu sobre se havia algum problema. "Problema nenhum" respondeu a advogada.
Surpresa teve Matilde, quando soube que quem ia defender o futuro ex-marido era a sua antiga empregada!

Helena

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