sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Uma vida feita a pulso

Nascera uma aldeia do Portugal profundo, como Diana costumava dizer. Há pessoas que nascem, crescem e morrem nelas. Sem que, alguma vez, vejam um mundo diferente. Acontecera isso com os seus bisavôs, depois com os avôs e teria acontecido com os seus pais se eles não tivessem escolhido melhorar de vida. E, no seu caso, melhorar de vida foi terem-se feito contrabandistas.
Dessa opção de risco e de ilegalidade beneficiaram os dois filhos que, através dela, correram o país - a profissão a isso obrigava - e, por mais estranho que pareça, com tanta mudança, conseguiram estudar.
Lourenço, o irmão, teve muita dificuldade em se adaptar à carreira dos pais. Era uma criança nervosa e que via polícias por todo o lado. Tornou-se um adulto sério, esforçado, mas sem ponta de criatividade.
Diana, ao contrário, só não seguiu as pegadas dos ascendentes, porque resolveu moldá-las em figurino diferente. Queria ser comerciante, ter loja com porta aberta e ganhar dinheiro. Começou por trabalhar para os outros. Depois de aprender os segredos do ofício, foi com uma amiga vender aos antigos clientes o que antes lhes vendiam os patrões. E, claro, mais em conta. Trabalhou muito e ganhou bastante. E um dia resolveu estabelecer-se. Alugou um vão de escada e passou a vender o contrabando dos pais. Com tal jeito que lhes branqueou a origem. Para isso, bastou-lhe a perícia de um amigo que trabalhava nas Alfandegas. Conseguida a legalidade da ilegalidade, faltava fazer o mesmo à origem e à educação. A primeira, transformou-a em titular dum palacete no tal Portugal profundo. Mais precisamente de Belfonte, que ninguém sabia onde ficava precisamente. Quanto à educação, a vida ensinou-a e aos poucos o vestuário, as peles e as jóias transformaram-na numa senhora. O ciclo estava acabado. Só lhe faltava poder social. Esse, deu-lhe o dinheiro que aplicou nas gentes que lho garantiriam. E, um dia ele veio ter consigo. Com medalha de bons serviços à nação e o título de comendadora. Só não viveu tempo suficiente para se tornar ministra. O que foi bom, porque isso lhe teria reduzido o prestígio!

Helena

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