domingo, 13 de fevereiro de 2011

Conversa de combóio

Durante cinco anos fui dois dias por semana ao Porto dar aulas na Universidade. A maior parte das vezes, deslocáva-me de combóio. Outras, ia de carro.
Durante todo esse tempo conheci lugares, gentes, e amigos. Nunca me pesaram as viagens e esses dois dias representavam uma espécie de libertação de um quotidiano à época muito ligado a Lisboa. E, de algum modo, nessas idas e vindas foram-me sempre acontecendo episódios. Uns mais caricatos. Outros menos. Outros até comovedores.
Numa dessas viagens conheci - melhor, ficou no banco à minha frente e virado para mim - um homem com quem tive a curiosa conversa que reproduzo:
- Porque é que a senhora vai sempre a ler ou a escrever?
- Sempre?!
- Sim, sempre. Há meses que tomo este combóio e que a observo.
- Bom, leio porque gosto. Escrevo porque é esse o meu trabalho.
- Então é escritora?
- Não. Gosto apenas de escrevinhar. Mas sou economista.
- Economista?! Mas o que é que leva uma mulher a interessar-se por economia?
- Naturalmente a falta que ela faz. Ou, se preferir, uma qualquer patologia...
- Acha que a economia é uma ciência?
- Acho que sim. Não é exacta, mas é uma ciência.
- Eu sou jurista e não considero o Direito uma ciência. A dra acha?
- Nunca pensei nisso. Mas tenho familiares juristas, que dizem haver uma ciência jurídica.
- Se a Economia e o Direito fossem realmente ciências, o mundo seria mais equilibrado.
- Só se essas áreas não estivessem, como estão, sujeitas à política.
- Tem razão. Então deduzo que não gosta de política.
- Deduz mal. O que não gosto é de políticos!
- Ah! Mas porquê?
- Iso seria uma longa história...
- Mas algum político a tratou mal?
- Não. Mas bem é que eles não me tratam...
- Eu sou político
- Azar o seu. Então para fim de conversa, sempre lhe digo que já dei ao país, os três que lá tinha em casa!
- Mas...
- Mas mais nada, meu caro senhor porque, como já sabe, tenho que ler e escrever. E, repito... não aprecio políticos!

Várias vezes fiz este trajecto. Várias vezes vi o meu interlocutor. Várias vezes fugi dele. Mas de uma decisão vital ele foi o responsável. É que nunca mais viajei nos bancos que tinham mesa. Pelo menos desses, curei-me por completo!
Helena

2 comentários:

  1. ó Senhora Dona Helena... que o País diga que não aprecia os seus filhos ainda vá que não vá, agora a Senhora...

    ;)

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  2. Caro Pedro Gaivota
    Eu adoro os meus "filhos". Mas, como mãe, não gosto nada da profissão que eles exercem. E tenho a frontalidade de o dizer.
    Se alguma mágoa tenho na vida é ler e ouvir as mentiras que antes se diziam de um e hoje se dizem de outro.
    Qualquer pai ou mãe sentiria o mesmo. E só peço a Deus viver até os ver abandonar a carreira política. Porque lhe garanto que eles serão muito bons profissionais a fazerem outras coisas!

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