sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Retorno


Marília nascera em África. Tinha na pele a marca dessa liberdade. Tudo o que lhe limitasse o corpo, os movimentos, provocava nela uma dor imensa. Por isso foi feliz na terra rubra onde decorreram os seus primeiros anos de vida.
Mas a guerra viria a determinar o retorno dos pais a Portugal. E, de caminho, o seu primeiro contacto, infeliz, com um mundo que jamais seria o seu. Tinha nove anos quando tal aconteceu.
Seguiram-se anos de saudade, não mitigada, daquelas ruas onde se mexia à vontade e onde nunca a cor da pele dos seus amigos fizera qualquer diferença.
Faltava-lhe o ar, a imensidão do território, a cor fulva do céu e o cheiro. Sobretudo, o cheiro da terra, que ela não conseguiu, nunca, encontrar em qualquer dos lugares em que viveu. Que a família chamava de continente.
Os pais desapareceram, as velhas brigas que haviam determinado o seu retorno apaziguaram e Marília continuava trinta anos depois, a considerar que nem a Europa nem Portugal eram a sua casa. Decidiu, assim, retornar a África, convencida que só lá poderia ser feliz.
Mal pisou o chão do aeroporto sentiu a diferença. O cheiro era o mesmo, mas alguma coisa tinha mudado. Instalada no hotel a sensação repetiu-se, sem que ela soubesse explicar o que é que estava diferente.
Resolveu sair, misturar-se na multidão e voltar aos lugares da sua infância para aí poder, finalmente, encher de ar, daquele ar, os seus pulmões.
Foi um choque. Os sítios estavam lá, mas nada era igual.
Sentada frente ao mar Marília percebeu que construíra um sonho. Aquela já não era a sua terra. Era, apenas, o local onde passara a sua infância...

Helena

3 comentários:

  1. Lindissimo Helena! Nunca estive em África mas conheço algumas pessoas que nasceram lá e tiveram de regressar e ao ler este texto senti exactamente o mesmo que penso que elas sentiram. E senti-me a Marília. Lindo. Obrigada.

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  2. Fantástico texto, pela simplicidade e dimensão da vida.
    África, conheci apenas pelo lado da guerra colonial na Guiné. Estive por lá um ano longo demais. Mas, apesar do tempo que passei, onde me faltava o ar da liberdade, ali substituído pelo ar do medo, ainda retenho memórias dos cheiros, da cor da terra, do sol a pique, dos mosquitos impertinentes. Com saudade contida!
    Parabéns Helena pela sua bela escrita. Sou um seguidor atento ao percurso das suas palavras.
    Se tiver um tempinho sem importância, peço-lhe que pare um pouco no meu repositório de emoções (também africanas): www.memoriadamicha2011.blogspot.com

    Carlos da Gama

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  3. imbondeiros? baobabs? estranhas arvores africanas, acompanhantes no entanto do pequeno principe.
    Arvores heroicas que resistem às longas securas e aos calores das terras quase deserticas. Baobab, arvore que via no senegal de l s senghor.

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