Deixem que me apresente. Sou um homem letrado que, ao longo da vida andou como os carroceis: umas vezes em baixo, outras lá em cima. Como todo o homem, tenho uma história. Irrisória, mas minha.
De profissão sou ladrão. Mas não de pechisbeques, de obras de arte, ou de peças de museu. Não. Sou um ladrão mais refinado. Roubo ideias.
Uns, como se sabe, especializaram-se em deitar mão ao que as pessoas têm, possuem. Eu apenas esbulho o que vai na mente de cada um.
Não é fácil esta arte, porque obriga a especialização e a estabelecer com o roubado fortes relações de amizade. Pelo menos até se perceber se ele tem ou não ideias. E obriga, igualmente, a uma forte cultura geral. Aliás, só posso ter esta refinada profissão, porque sou doutorado.
Se não vejamos. Para roubar a ideia de uma partitura, preciso saber música. Caso contrário corro o risco de me esforçar para obter algo que não passa de peça medíocre. E o que acabo de dizer, aplica-se, é evidente, a outras formas artísticas.
Durante anos fui engenheiro. Como tal apropriei-me de vários projectos de que os autores apenas fizeram esquissos. E tive bastantes alegrias.
Depois fui economista. O património ideológico adquirido por aqueles a quem roubei fez de mim banqueiro. Não terei sido um Madoff, mas não andei muito longe. Só que o país é pequeno e, ao fim de alguns meses, já era eu o roubado. Um prejuízo e tal.
É claro que também estive no desporto, onde roubei pouco, porque as ideias eram escassas, e as que valiam a pena, já não pertenciam ao país.
Como advogado fiz sucesso. Os estagiários tinham o conceito e eu desenvolvi-o sob nome próprio. Foi a minha rampa de lançamento para a política e para o enriquecimento.
Cheguei finalmente às grandes empresas. Públicas, claro. Aí já não precisava de roubar porque outros o faziam por mim.
Foi esta a minha carreira. Sou, hoje, um homem tido por sério. Como convém ao público retrato de quem, agora, se dedica a apoiar obras sociais.
Helena
Um bom exemplo de escrita feminina. A aparente leveza das palavras a colocar o dedo na ferida.
ResponderEliminarEscrita feminina típica, a aparente leveza de palavras que não comprometem o essencial da mensagem.
ResponderEliminarUm bom exemplo de escrita feminina. A aparente leveza das palavras a colocar o dedo na ferida.
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