Em casa o pai chamava-lhe nomes e dizia que tinha jeito de mulher. Fazia-o para o espicaçar, mas também para o ofender. Contudo, ele não se ofendia. A mãe, ao contrário, tentava percebê-lo. Punha-lhe questões. Sabia, intuía que o facto de ele "ser diferente" seria, sempre, algo de muito doloroso.
Um dia, por volta dos seus treze anos, Carlos sentiu que o que o ligava a Pedro era bem diverso daquilo que o unia a outros amigos. E ficou alarmado. Primeiro, porque era um sentimento novo, desconhecido, com que lhe era difícil lidar. Depois, porque não fazia a mínima ideia se era, ou não, retribuído. E, além disso, tinha receio de contar o que sentia por medo de não ser entendido. Depois, ainda, porque não sabia lidar com a sexualidade decorrente desses sentimentos.
Foram meses e meses de sofrimento. De dúvidas. De forte sentimento de culpa. De auto reprovação. De tentativas, até, de encontrar raparigas por quem se interessasse. Tentativas goradas, como se pode calcular. E mesmo traumatizantes.
Encorajado pelo irmão mais velho e pela mãe, os únicos que o compreendiam, decidiu ganhar coragem e confessar ao amigo o que sentia por ele. Não foi correspondido. Mas foi compreendido.
Pedro era heterossexual. Mas também era um jovem do seu tempo. Não ficou surprendido nem incomodado. Por isso, foi com naturalidade, que lhe confessou que apenas gostava de mulheres.
A experiência resultou triste. Mas não traumatizante. Um dia havia de chegar alguem que o fizesse feliz. Hoje Carlos tem 35 anos. Vive há cinco com o mesmo homem. Não pretende casar, nem isso lhe interessa. Filhos? Um dia, talvez. Mas, curiosamente, nunca esqueceu Pedro!
Helena
É verdadeiramente isto que se sente. Obrigado por escrever com leveza, naturalidade e simplicidade algo tão mal retratado por muitos, que ao tentarem comunicar algo seu, dão voltas e pinotes.
ResponderEliminarUma linha fina e recta, é de melhor leitura que uma escondida de tantas voltas carregadas e sobreposições que dá em torno de si.
O medo sempre foi o mal de todos os tempos.
N. 24
Pois não acho que se seja diferente.
ResponderEliminarÉ-se único. Cada um. Todos nós.
Seguimos as linhas desenhadas por ignoto deus, misteriosos sinais de um destino pessoal, pelo qual, através do qual, tocamos os outros e fazemos a diferença.
Fazê-la, sermos especiais, é que é 'ser diferente'.
Tudo o resto são particularidades do ser que somos enquanto carne e osso.
Um dia luz, seremos unos de novo, novos e iguais, como sempre fomos e nem nos apercebemos.