terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Acabou, José!

Quantas vezes te terei já dito que acabou? Findou, José, embora tu possas não acreditar. 
Quantos anos levei eu a pedir o teu amor? Quantos anos levei eu a relembrar os teus gestos de carinho, mesmo quando já sabia que eram puramente mecânicos e não traduziam, senão, uma forma de me manteres calada? Foram tantos. Em nome deles vou tentar explicar-te o que se passou.
Quando te conheci não me apaixonei por ti. Apaixonei-me pela tua inteligência, pela tua cultura, pelo teu brilhantismo, por essa tua capacidade de seduzires sem te dares, sequer, ao trabalho de tentar perscrutares quem seduzias.
Para mim era algo completamente novo. Eu saía dum mundo onde as regras para o amor eram o património e o nome de família. E onde a obrigação era tentar que tal sentimento agregasse esses dois pólos.
Tu saías fora deste jogo. Bem sei que a tua família era da chamada alta burguesia rural. Mas tu até te rias disso. Era fácil, aliás. Na vida real, não prescindias dos privilégios. No pensamento, podias dar-te ao luxo de os criticar.
Tantas vezes te chamei a atenção para essa incongruência. Mas tu rias e dizias que eu era reaccionária. Era, de facto. Reagia a esses falsos valores bem apregoados mas bastante mal digeridos.
Foram anos a tentar pensar como tu, a tentar chamar a tua atenção. Foram anos sem o conseguir e a sentir-me como a menos qualificada das criaturas. Porque, afinal, o intelectual, o respeitado, eras tu. Eu era, apenas, a tua mulher.
Até que um dia alguém me disse que tu eras um boneco de plasticina. Que te adaptavas a todas as formas de vida. Que não possuías uma espinha dorsal.
A verdade foi violenta. Não porque, no fundo, eu não a conhecesse. Conhecia. Mas nunca havia tido a coragem de enfrentar a realidade, preferindo transferir para mim a incapacidade de estar ao teu nível.
Foi o princípio do fim, do nosso fim. Hoje quase não entendo como pude anular-me para ganhar o teu amor. 
Não te esforces tu, agora, a ganhar o meu. Não chegas lá, porque o meu mundo nada tem a ver com o teu. E do teu, eu só quero distância. Para poder continuar a ser quem sou.
Acabou, José!

Helena 

4 comentários:

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  2. "Quando te conheci não me apaixonei por ti. Apaixonei-me pela tua inteligência", isto já me aconteceu. Aliás, acontece-me sempre a mesma situação. Não há volta a dar.

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  3. muito sinceramente insistimos num amor não por amarmos o outro, mas muito mais por amarmos nós mesmos quando estamos com ele, a isso chamo AMOR PRÓPRIO.

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  4. O amor tem formas tão estranhas de se manifestar...ainda assim é o único sentimento pelo qual vale sempre tudo a pena :)

    Um bom ano!
    Vânia Silva

    http://saladosilenciocorderosa.blogspot.pt/

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