sábado, 12 de janeiro de 2013

Uma noite...

Era um fim de tarde de Domingo. Isabel tinha aproveitado a ocasião para arrumar uns papeis. Havia chegado a uma altura da sua vida em que convinha que fosse ela própria a escolher aquilo que poderia, mais tarde, ser visto e mexido por aqueles que cá ficassem.
Foi no meio dessa papelada que surgiu um bilhete amarelado com uma frase em francês, muito singela, que dizia "merci ma chére amie. Vous resterez toujours dans mon coeur"* Viu a data e sorriu. Eram palavras de um verão de 1968. 
Isabel conhecera Jean Luc quando trabalhava num departamento oficial que a obrigava a deslocar-se ao estrangeiro com frequência. Ambos juristas. Ambos casados. Mas a simpatia mútua foi imediata e fortaleceu-se ao longo de meses de trabalho e convívio.
Naquele verão, Jean Luc fora para Estrasburgo de carro. Isabel, como sempre, tomou em Paris o combóio. As reuniões prolongaram-se mais do que era esperado, pelo que a solução seria aguardar pelo dia seguinte. Foi nessa altura que ele a convidou a fazerem juntos, no seu automóvel, o retorno à capital. Ela aceitou.
Teria talvez passado uma hora de viagem quando resolveram parar para comer qualquer coisa. Foi então que algo se passou e Isabel, ainda agora, não sabe explicar o que aconteceu. O clima entre ambos proporcionou que Jean Luc pegasse nas suas mãos, as levasse à boca para as beijar e que ela não reagisse.
Fizeram o resto da viagem enlaçados. Chegados a Paris, criou-se um momento especial quando Jean Luc lhe perguntou o que ela queria fazer.
Sobre o que ela queria, não tinha dúvidas. Sobre o que devia é que as dúvidas eram muitas. Acabou por lhe pedir que a deixasse no hotel. Ele subiu e ela consentiu.
Ainda hoje, tantos anos decorridos, Isabel se lembra dessa noite. Nunca se havia entregue com tanta liberdade a ninguém. E nunca se sentira tão desejada e tão bem amada. Ficou a dever àquele homem um outro tipo de conhecimento próprio. Ele libertou-a de grilhões que, afinal, só a tinham impedido de ser quem era.
Este bilhete foi-lhe enviado dias depois. Isabel está hoje viúva. Jean Luc também. Mas nunca mais voltaram a encontrar-se...

HSC

* "obrigada minha amiga. Você estará sempre no meu coração"

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