terça-feira, 17 de abril de 2012

Sinais


Andava arredado, como se quisesse fugir dela. Chegava tarde, levantava-se com as galinhas e às refeições mantinha-se mudo.
Ela não percebia e desfazia-se em ternuras e atenções, admitindo que seria culpa sua. De quê, não sabia. Nem sequer admitia a existência de outra mulher. Pensava nos dois filhos, tentava comunicar, mas a barreira era intransponível. Marcelo não estava pura e simplesmente interessado em falar sobre o assunto.
O ambiente tornara-se insustentável e, no limite, Elsa decidiu fazer as malas, pegar nos miúdos e sair. Sem dizer para onde ia, aproveitando as férias escolares de Verão. Rumou ao Norte, arranjou casa e trabalho. Até que sentiu ser chegada a altura de procurar um advogado para se divorciar.
Foi quando, finalmente, percebeu as razões do marido. Nada tinha contra ela, nem se queixava de coisa alguma. Ela apenas pecara por omissão, por não ser a pessoa que ele esperava que ela fosse. Fora ele que se enganara sobre a pessoa com quem casara e, por isso, sentia goradas as suas expectativas. E não queria uma vida sem retorno para si.
Há, de facto, vidas assim, em que um nunca sabe ler os sinais do outro que, por sua vez, espera sempre não ser ele próprio a ter de fazer o corte. Para isso basta-lhe ir ferindo lentamente...

Helena

8 comentários:

  1. Texto muito bom... de certeza que ha muita gente a rever-se nele!

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  2. Helena:
    Fez-me pensar. Não em mim. Já disse que tenho um bom casamento, nunca disse que é "um casamento perfeito", porque é coisa que não existe.
    Ela fez o que devia. Foi corajosa. Ele, não. Quem se costuma mudar, é quem não está bem. Ela, quando se sentiu mal, mudou.
    Ele, ficou, cobardemente à espera, que ela percebesse.
    Há muita gente assim. Felizmente, também há algumas, como ela.
    Mais um belo conto.
    Beijinho
    Maria

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  3. Leninhamiga


    Estou de volta e maluco como sempre. Carregado de saudades de Goa e da sua excelente gente. E agoniado com o que encontro por cá: tristeza, desânimo, desgraça. E, pelos vistos, o que está para vir será pior. Amanhã é dia de homenagem aos Capitães de Abril; mas também de luto por esta enorme maldade que os criados nacionais (???) da troika nos estão a fazer. Portugal, infelizmente, é assim…

    Espero por ti – como sempre.

    Qjs

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  4. Gostava de dar-lhe um abraço sentido. Perdoe-me a 'ousadia' de prestar uma singela homenagem ao seu Miguel através deste seu cantinho: “Sou um só, mas ainda sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. E, por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso.” E ele fez tanto. Abraço, Ana

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  5. É apenas uma cobardia, é apenas uma hipocrisia, é apenas um não admitir para si e para os outros um rotundo falhanço, é afinal, e tão só, não saber viver. Quando um dos dois sabe, não se perdem duas vidas. Faz o que tem de ser feito.

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  6. A frase que me ficara sempre da sua entrevista com o Daniel Oliveira: "o amor e um jogo de espelhos" :)

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  7. Ana Capão

    O texto é lindíssimo, viver implica desencontros, para que ao reflectirmos possamos encontrar o nosso eu, a nossa consciência ou pura e simplesmente abdicar do processo de auto- conhecimento e procurarmos ir levando a vida e mergulharmos nas rotinas diárias.

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