segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um homem frágil

Bernardo tinha tudo para ser feliz. Saúde, fortuna pessoal, uma profissão bem sucedida, uma família da qual se podia orgulhar, trinta anos, um belo rosto e um corpo bem trabalhado. Casara relativamente cedo. Ao que, na altura supôs, por amor. A este ter-se-á subrepticiamente juntado o apoio das duas famílias que, deste modo, viam nos herdeiros a junção de dois patrimónios.
O casamento foi tudo o se pode imaginar de melhor, quando se juntam duas famílias da chamada alta classe. A lua de mel, idem. Mas quando esta acabou, a adaptação à vida conjugal não foi fácil. O silêncio ia-se impondo entre ambos, sem que se dessem conta das razões por que tal acontecia.
Qualquer deles estava insatisfeito. Mas Rita decidira que seria algo passageiro, que um filho acabaria por alterar. E esse filho veio. Era uma rapariga.
Mas a criança só veio acentuar o mal estar. Agora falavam. Mas apenas dela. Tudo o resto mantinha-se na mesma. Com as consequências inevitáveis na vida sexual, que não sendo excepcional, era agradável. Podia, mesmo, dizer-se que talvez fosse ela que manteve unido o casal.
O marido não ousava abordar o problema porque, no fundo, não sabia onde ele residia. Só sabia que não estava feliz, que Rita não era a mulher que ele desejava. Mas não tinha alternativa que lhe permitisse ver de onde vinha o falhanço.
Numa tarde, antes de ir para casa, resolveu ir tomar um whisky no bar de um hotel. Apenas para retardar a hora do retorno ao lar. Na sala, numa semi penunbra, o pianista tocava músicas dos anos sessenta.
Estavam três mesas ocupadas. Em duas um grupo de homens conversava sobre negócios. Ou pelo menos era isso que parecia. Na terceira uma mulher tomava chá. Teria, talvez, uns quarenta e cinco anos bem conservados. O olhar era vago, mas o aspecto tremendamente cuidado.
Bernardo decidiu sentar-se numa mesa discreta e relaxar. Mas quando o fez, teve tão pouco jeito que tropeçou e se estatelou - é o termo - aos pés da dita senhora. O chá, esse, derramou-se sobre os dois. Entre desculpas e gaguejos, o nosso homem só queria saber como podia ressarci-la do desastre que provocara. Ela, plácida, respondeu-lhe " se ficar calado já me sinto recompensada".
Bernardo era um homem frágil e esta resposta gelou-o. Se houvesse um buraco no chão ele ter-se-ia metido nele. Mas não havia. Por isso, estoicamente pediu a sua bebida. Que, de facto, o relaxou.
Uma hora passada, a senhora levantou-se e nem sequer para ele olhou. Segundos depois o nosso protagonista tentava saber junto do barman quem ela era. Tratava-se de uma cliente habitual do hotel e, ao que constava, era empresária, e ficava sempre no mesmo quarto.
Bernardo hesitou. Mas um qualquer grito interior de orgulho ferido fê-lo deslocar-se ao quarto em causa. Sem que soubesse para quê. Hesitante bateu à porta, que se abriu.
Quando ia falar, a interlocutora pondo-lhe os dedos em cima da boca, disse apenas "estava à sua espera"!

Helena


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