sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Um grupo coeso

Pedro ia de combóio para o Porto. Podia ter levado o carro, mas andava tão cansado que tinha tido medo de adormecer ao volante. Preferiu, por isso, entregar-se nas mãos do maquinista e ir vendo essa réstea de Portugal que se desenrolava, como um filme, através da sua janela.
Escolhera um lugar com mesa na presunção de que talvez lhe apetecesse abrir o portátil e escrever. Que nada! O que lhe apetecia era mesmo "desaproveitar" o tempo.
Dirigia-se ao encontro semestral dos "Borralhos", aquela mão cheia de amigos que vinha dos bancos do liceu. Já haviam desaparecido quatro. Dois na guerra do Ultramar e dois que tendo sido presos pela polícia política, haviam desaparecido sem se saber exactamente como. Por doença, diziam uns. Por maus tratos, diziam outros. Nunca soube a verdade. Nem a causa lhe intreressou muito, face à dor da perda de dois seres que muito estimava.
Um deles era fracote de saúde. Mas o outro não. Enfim, pensou, já cá não estão...
Ninguém percebia o que que ligava aquelas almas. Com efeito, um era um conhecido médico, outro canalizador estabelecido, outro engenheiro, outro alfaiate, outro professor e, finalmente, o último, escritor. De comum, tinham o terem nascido na Beira interior e lá feito primária e liceu. Uns, entraram logo na Universidade. Outros, começaram cedo a trabalhar.
A revolução de Abril quase conseguia separá-los. Mas, afinal, sobreviveram. Com efeito, quando foi da prisão dos Francisco e do Marco, a relação de amizade toldou-se, porque as ideologias que nunca os haviam incomodado, naquela altura, sobresaíram. Mas foi sol de pouca dura. Quando o primeiro morreu, as diferenças esfumaram-se. Só o desgosto contava.
Por isso, acabaram a prometer-se que daí em diante nada os afastaria e que, fosse qual fosse a prática política de cada um, tudo fariam para salvar o que havia sobrevido. Não foi fácil. A amizade sofreu rombos. Mas perdurou e nunca faltaram ao jantar semestral.
Era nisto que Pedro pensava, satisfeito, recordando as diferenças da forma de viver de cada um dos seus amigos. Desta volta o jantar era em casa do Francisco, o canalizador. Pedro já sentia as papilas gustativas a salivarem, só de pensar no que ele teria preparado. Sim, porque nestes jantares, a Maria não metia o bedelho. Ele é que preparava tudo.
O combóio chegou. Pedro tomou um táxi directo para casa do amigo. Já lá estava o Manuel agarrado ao copo de tinto. Aos poucos os outros foram chegando. Todos falavam ao mesmo tempo de tudo e de todos. Uma algazarra total!
"Passa o binho Xico, que a pinga está boa" era frase de mote. A galhofa durou a noite inteira. Quando Pedro chegou ao hotel ia alegre. Decerto que sim. Mas ia, sobretudo, feliz com o convívio, sempre igual, daquele grupo tão coeso...

Helena

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