segunda-feira, 21 de maio de 2012

A cor de chocolate


Conheceram-se na escola primária. Ela loira, olhos claros, despachada e com vontade bem firmada. Ele moreno, olho escuro, trigueiro, pacato.
Eram ambos bons alunos e interessados em aprender. 
A família do Tomás viera de África a quando da descolonização. A da Deolinda era natural do Algarve.  Foi aqui que as duas famílias se haviam de encontrar e de se tornarem amigas.
Apesar dessa amizade familiar, nada os destinaria um ao outro, tão diferentes eram as suas formas de ver o mundo. Mas o facto de terem feito escolhas curriculares semelhantes levou a que os seus destinos se cruzassem. Da escola passaram ao liceu - sim, nesta época ainda havia essa instituição, hoje ultrapassada pela Escola Secundária -, e deste rumaram à Universidade. Um e outro escolheriam medicina.
Foi nesta rota que a relação se estreitou e decisão de unirem futuros se começou a esboçar. Com efeito, no último ano, resolveram fazer economias e juntarem-se na mesma casa. Aliavam, assim, o útil da partilha de habitação e do encaixe da renda, ao agradável da partilha dos corpos. 
Podiam, até, dar-se ao luxo de perceberem se, perante as diferenças, o que os unia era mais forte. E foi-o, de facto.
A relação manteve-se durante uns anos, mais concretamente, até terem garantido o seu trabalho. Foi quando pensaram dar outra dimensão à família que já formavam, ensaiando uma nova realidade, a de pais.
A gravidez de Deolinda viria, então, fechar um ciclo e dar início a um outro.
Tudo parecia correr bem. O lance fatal começou com o nascimento da criança que, para espanto de todos, era cor de chocolate.
Foi um alvoroço de desconfianças. Como era isto possível, perguntava-se a família de Tomás, sendo os pais de raça branca? Teria havido troca de crianças, chegaram a admitir.
E, por fim, chegou a questão mais grave, aquela que punha em causa a seriedade de Deolinda. Naquele momento, naquela altura, só havia uma forma de agir. Fazer testes e perceber que mulher era, afinal, a mãe da criança. Ou, dito de outro modo, averiguar se o filho era ou não, de Tomás.
Fizeram-se os exames necessários. Não havia qualquer dúvida sobre a sua paternidade. O que não se sabia, é que, afinal, ambos tinham tido trisavós de cor...
Porém, mal estava feito. A confiança fora quebrada e nada do que soube posteriormente foi suficiente para a restabelecer. Afinal as leis de Mendel e as probabilidades que a mesma estabelece continuam, para muita gente, a ser desconhecidas...

Helena

2 comentários:

  1. Quantos casos assim, Helena? As pessoas escolhem sempre o mais óbvio, sem pensar nas surpresas da vida. Falou nas leis de Mendel. Quantos saberão sequer, quem é Mendel, quanto mais as leis?
    O evidente é que conta. Pensar numa explicação? dá muito trabalho.
    Talvez a sua história, abra algumas cabecinhas.
    Beijinho
    Maria

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