segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Uma questão de confiança


Conheceram-se na escola primária. Ela loira, olhos claros, despachada e com vontade bem firmada. Ele moreno, olho escuro, trigueiro, pacato.
Ambos bons alunos e interessados em aprender. A família do António viera de África, a quando da descolonização. A da Deolinda natural do Algarve, nunca de lá tinha saído. Gente modesta de ambos os lados, foi aqui que as duas famílias se encontraram.
Nada os destinaria um ao outro, a não ser o facto de terem feito escolhas curriculares semelhantes. Da escola passaram ao liceu - sim, quando tudo se deu ainda havia essa instituição, hoje ultrapassada pela Escola Secundária -, e deste à Universidade. Um e outro haveriam de escolher medicina.
Foi nesta rota que a amizade se estreitou e a decisão de unirem futuros se começou a esboçar.
Com efeito, no último ano resolveram fazer economias e juntarem-se na mesma casa. Aliavam, assim, o útil da partilha do teto - com o respectivo encaixe da receita -, ao agradável da partilha dos corpos. E, podiam até dar-se ao luxo de perceberem se, perante as diferenças respectivas, o que os unia era sólido. Não o foi, como se vai perceber. Ciúme e desconfiança corroem os alicerces mais rijos, como se sabe.
A relação manteve-se durante uns anos, mais concretamente até terem garantido o trabalho de cada um. Foi, então, que pensaram dar outra dimensão à família que já formavam, ensaiando a função de pais. A gravidez de Deolinda veio assim fechar um ciclo e dar início a um outro.
Tudo parecia correr bem. O lance fatal começou com o nascimento da criança. Que, para espanto de todos, veio cor de chocolate.
Foi um alvoroço de desconfianças. Como era isto possível, perguntava-se a família de António, sendo os pais de raça branca? Teria havido troca de crianças, chegaram a admitir. E, por fim, chegou a questão mais grave, aquela que punha em causa a seriedade de Deolinda.
Naquele momento, naquela altura, só havia uma forma de agir. Era urgente fazer testes e perceber que mulher era, afinal, a mãe daquela criança. Ou, dito de outro modo, averiguar se o filho era ou não, de António.
Como se pode calcular, isto era o princípio do fim de qualquer coisa tida por sólida. Fizeram-se os exames necessários. Não havia qualquer dúvida sobre a paternidade do pequeno ser. O que não se sabia e se descobriu, é que, afinal, ambos tinham tido trisavós de cor...
O mal estava feito. A confiança fora quebrada e nada do que veio a conhecer-se posteriormente foi suficiente para a restabelecer.
Afinal as leis de Mendel e as probabilidades que as mesmas estabelecem não são letra morta. Mas de nada valem, quando a infidelidade feminina é a admissão imediata...

Helena

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