domingo, 23 de fevereiro de 2014

Sem vida própria

Há vidas que nunca o chegam a ser, porque são sempre vividas como se fossem as de outras pessoas. Era isto que Teresa, hoje com mais de meio século de vida, pensava enquanto arrumava umas cartas das filhas, agora a estudarem e a viverem no estrangeiro.
Como é que tudo lhe acontecera, quando aos vinte anos sonhava ter uma família e uma carreira? Não sabia responder, porque perdera a noção precisa do momento em que essa viragem se dera.
Lembrava-se bem de que quando a Isabel nascera ela sentira necessidade de ficar para sempre junto dela e do muito que lhe custou retornar ao trabalho, deixando-a nos braços da empregada até ao fim do dia. 
Quando a Sofia veio ao mundo, decorridos apenas dois anos sobre o primeiro parto, passou a trabalhar em casa para dar assistência às duas. A decisão foi, sobretudo, sua. A partir daí deixou, de facto, de ter a sua própria vida para se entregar à das crianças.
Uma terceira filha havia de aparecer, numa altura em que a carreira do Pedro, seu marido, tivera já uma boa progressão. Foi então que sentiu necessidade de voltar a trabalhar e partilhou essa carência com o homem com quem dividia a vida.
Mas, para sua surpresa, a reacção não foi a esperada. A posição que ele atingira na empresa impunha-lhe que estivesse presente numa série de eventos que não eram compatíveis com carreiras pessoais. 
Ficou triste mas compreendeu que o marido precisava do tempo dela. Foi assim que, aos poucos foi abdicando do seu próprio tempo. E agora, que nem o Pedro nem as filhas precisavam mais desse bem raro, Teresa sentia-se perdida, sem vida pessoal e sem compreender como durante trinta anos se contentara com viver apenas a vida dos seus!

Helena