quarta-feira, 30 de junho de 2010

Divorciada ou viúva?


Num jantar a que fui recentemente abordou-se o tema da progressiva emancipação das mulheres. A certa altura, alguém perguntou a cada uma das presentes representantes do género qual era, para elas, o melhor estatuto: divorciadas ou viúvas?
A gargalhada à mesa foi geral. Mas uma de entre nós respondeu, de imediato, que "o de casada seguramente não era". Nova risota até que a autora da afirmação exclamou, meio a sério, meio a sorrir, um "riem de quê?".
Foi então que a conversa tomou um tom mais sério. Curiosamente entre os homens a resposta apontava para as divorciadas, enquanto entre as mulheres era quase unânime a preferência pelo estado de viuvez.
Os primeiros argumentavam que, no caso de haver filhos - o mais frequente -, a existência de um pai vivo aliviava responsabilidades ao padrasto. As segundas defendiam que a viuvez, ao contrário do divórcio, dava respeitabilidade e, até, alguma deferência às mulheres.
Vim para casa a meditar no que havia sido dito. E não pude deixar de concordar que em pleno século XXI, ainda permanecem na nossa educação princípios que já nada justifica.
As mulheres, sejam elas solteiras, casadas, viúvas ou divorciadas merecem ser olhadas de igual forma e julgadas não pelo estado civil, mas sim pelo que são como seres humanos. Como, aliás, os homens para quem, de modo surpreendente, o problema se não põe.
Não deixa de ser curioso que, mesmo a brincar, alguem, ainda hoje, admita que a questão se pode equacionar...

Helena

domingo, 27 de junho de 2010

O convite


Estávamos lá todos. Todos os vivos, claro. Que, alguns a vida ceifara cedo!
Não sabíamos ao que íamos. O convite apenas dizia "quero-vos cá pelas 18 horas. Arranjadinhos. Bem cheirosos. Para um acontecimento importante. Da minha vida. E, espero, da vossa também". Foi assim que uma vintena de amigos se encontrou numa velha quinta nos arredores de Lisboa.
A sala tinha lareira. Mas o tempo estava quente. Por isso, as chamas foram substituídas por uma cesta cheia de flores. Do campo. Que cheiravam a orvalho.
Quando entrei já havia uns quantos à espera. Que punham a hipótese de um acto de loucura da Mariana. Que a tivesse levado à decisão de se casar.
Perguntei:"com quem?". Viraram-se para mim como se esperassem que aventasse também a resposta.
Com qualquer pessoa, pensei. Mas não disse nada, nesta época de mais com mais ou menos com menos. Insistiram. Respondi, "com qualquer de nós". Silêncio imediato. Pergunta e resposta recusadas.
A certa altura entrou um padre nosso amigo. Em coro, perguntámos "quem é o noivo?". Ele sorriu e apontou para o teto. Ninguém percebeu. E quando queriamos esclarecimentos, ele tinha-se escapulido.
Sete horas. Estavamos todos. À sétima badalada a Mariana apareceu. Vestida de branco. Ia batizar-se. Aos 57 anos!
Helena

sábado, 26 de junho de 2010

Um Casamento



É verdade que quando se encontraram um apeteceu ao outro. E aceitaram a gostosura desse apetite, porque é assim que acontece quando se tem vinte anos. Namoraram mais ou menos intensamente, ela acabou o seu curso, ele começou a trabalhar.
Na altura devida resolveram casar e ambos traziam para casa salário semelhante. Filhos, quatro nasceram e dificultaram a vida profissional da mãe. Mas Teresa, ao contrário de Gonçalo sabia o que queria. O marido apenas sabia que queria manter aquela família. Como muitos maridos por esse mundo fora.
E, à custa de sacrifícios dela, a sua carreira começou a descolar. E a vida do casal a melhorar. Mas também alargaram os horizontes de Teresa que começou a conhecer outras pessoas. De uma viria mesmo a enamorar-se. Mas não se apartando de um casamento, cujo up grade social era evidente. Uma altura houve em que pensou que a paixão tomaria outra forma. Mas do outro lado havia um casamento que não era conveniente desfazer. Não lhe foi fácil aceitar que, afinal, a instituição, a família, os filhos, o que fosse, eram mais fortes e importantes do que ela. Percebeu que o "homem da sua vida" não seria, jamais, algo diferente de "um" homem na sua vida. Magoou-se de verdade e sentiu-se culpada de não ter sido capaz de despertar algo mais forte.
Os laços do casal, embora convenientes, começaram a tornar-se mais frouxos. Agora era Teresa quem, na realidade, financiava o alto nível de vida que levavam.
Um dia a sua empresa sofreu um baque e de repente a mulher forte viu-se frágil. O marido apoiou-a. Mas ela percebeu que ele sabia o que sentimentalmente lhe acontecera.
Recomeçou. E, de novo, teve sucesso. Agora, muito sucesso.
E, também, de novo se enamorou. Muito. Ao ponto de ter decidido sair de casa sem nada levar. Nem os filhos. Mas também, outra vez, se enganou. E depois de uma separação de três anos, voltou. Ao marido e aos filhos. Há casamentos assim!

Helena

terça-feira, 22 de junho de 2010

A viúva



Todos nós, mais tarde ou mais cedo, nos apaixonámos. Ou quase todos nós.
Lembro-me de uma colega de liceu, que depois o foi na Universidade e no trabalho. Nunca namorou. Canalizou todas as suas emoções numa carreira brilhante. E quando lhe perguntávamos se não tinha pena, ela respondia que sim, que tinha.
Os anos passaram. A partir de certa altura a nossa vida seguiu rumos diferentes, e os encontros tornaram-se mais escassos.
Há uns dois meses reencontrámo-nos no velório de um amigo comum, que a vida ceifara mais cedo do que devia. Vi-a muito chorosa e sem arredar pé do caixão. Perguntei-lhe como estava.
A sua resposta, para espanto meu, foi: "viuva". Embaraçada com a inesperada revelação indaguei quando casara. A resposta veio imediata: há quinze dias.
O meu rosto deve ter sido o espelho da minha surpresa. Talvez por isso, apontou para o caixão, exclamou: com ele.
Fiquei tão atordoada que só quando me vi fora da Igreja é que realizei o insólito da situação e do diálogo que a acompanhou...

Helena

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Aquelas mãos




Ela estava cansada da viagem. O vôo tinha apanhado zonas de grande turbulência. Meteu-se no táxi e disse, apenas, Hotel Tremoille. Apoiou a cabeça no encosto do assento e quase adormeceu. Levantara-se cedíssimo para apanhar o avião das oito horas da manhã. Não descansara o suficiente.
Chegou ao quarto e atirou-se para cima da cama. Ligou a televisão, mas os olhos começavam a pesar-lhe. Adormeceu.
Quando acordou eram horas de jantar. Abriu as janelas para regalar o olhar com o céu de Paris. E ficou, assim, parada uns longos minutos, deixando que a paisagem entrasse dentro de si.
Mas o relógio do estômago deu horas. E ela saíu para jantar. Num dos seus restaurantes preferidos, onde sempre que aparecia, lhe faziam uma festa. Escolheu e apreciou as ostras. Portuguesas, como era hábito.
Já retemperada subiu os Campos Elíseos para comprar umas revistas. Como costumava fazer quando chegava. À entrada, a mesa estava cheia delas. Estendeu a mão para pegar uma. No exacto momento em que uma outra mão, masculina, fazia o mesmo gesto.
Foram segundos, apenas. Mas Joana não se mexeu, os olhos cravados naquela outra mão de um dono igualmente impassível. Perdão, exclamou finalmente.
Quando, por fim, levantou os olhos, já ninguém disputava a revista. Mas ela continuava a sentir o calor daquela outra mão.
Hoje, um quinze anos passados sobre este encontro, ela está no mesmo local, para fazer a mesma compra. Lembrou-se desta história. E sorriu!

Helena

sábado, 12 de junho de 2010

A honra


O que é a honra? Se consultarmos um dicionário de sinónimos, encontraremos palavras como brio, carácter, dignidade, nobreza ou pundonor.

Prefiro escolher carácter que simboliza aquilo que foi a preocupação maior dos meus pais na educação dos seus filhos e porque é o elo que verdadeiramente me une aos meus irmãos. E que pretendi transmitir aos meus filhos.
A honra não é apenas a escolha de um caminho. É uma obrigação. Individual e colectiva.

Portugal teve na sua história essa marca. Nós recebemos essa herança. Mas malbaratámo-la. Hoje, se elencarmos os valores essenciais da sociedade portuguesa neste domínio, muito possivelmente não veremos mencionado mais do que a honestidade. Ora a honra é bem mais do que isso. É um conjunto de valores de excelencia que ultrapassam, em muito, a seriedade. E que fazem de uma pessoa um modelo, um exemplo, alguém que se destaca dos outros pela forma como se comporta.



HSC